quarta-feira, 27 de abril de 2016

CADERNOS DE ESTUDOS AFRICANOS – NÚMERO TEMÁTICO “MOÇAMBIQUE E OS BRICS” - CHAMADA DE ARTIGOS até setembro de 2016

Ao longo da última década vem florescendo um conjunto de literatura sobre os designados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, a que mais tarde se juntou a África do Sul), as cinco economias emergentes que se destacam pela rápida industrialização e pela crescente influência a nível regional e internacional. Representando aproximadamente 40% da população mundial e 20% do produto bruto mundial, os BRICS têm sido alvo de um amplo leque de reflexões e análises. Na sua relação com o continente africano em geral ou com Moçambique em particular, o discurso sobre os BRICS vem-se estruturando em torno de dois polos tendencialmente opostos: Por um lado, como uma forma de cooperação Sul-Sul, como uma alternativa a formas neo-colonialistas de exploração ou como um modelo alternativo de desenvolvimento para o continente africano. Por outro, diversas organizações da sociedade civil têm alimentado um conjunto de preocupações sobre o impacto dos investimentos económicos, quer ao nível ambiental, da segurança no trabalho ou do reassentamento de populações, assim como das implicações dos estilos de negociação sobre o que se designa de boa governação e de defesa dos direitos humanos.
Em Moçambique, a relação histórica com estes países tem sido distinta. Ainda que remonte ao período colonial, a presença indiana ganhou destaque no sector extractivo e energético, com grandes investimentos em curso nas províncias do Centro e Norte do país. De uma relação assente na cooperação política, militar e socio-económica, as relações com a China evoluíram para um carácter predominantemente comercial, assumindo-se o país asiático como um importante parceiro, com forte presença nos sectores da construção e florestal, frequentemente caracterizado por relações laborais conflituais. Da mesma forma, se até à década de 1980 as relações económicas e políticas com a União Soviética conheceram uma importante vitalidade, as relações arrefeceram com a liberalização da economia moçambicana e com o desmantelamento do bloco de leste. A comunicação social reporta, contudo, o interesse de delegações económicas e diplomáticas russas no investimento em sectores como o energético, extractivo ou das pescas. A relação do Brasil com Moçambique tem-se também alargado a diversos sectores, com destaque para a mineração, construção, ensino ou agropecuária, gerando-se uma polémica em torno dos processos de reassentamento de populações, quer em resultado da mineração, quer do programa Prosavana.
Grande parte da literatura disponível é particularmente ecoada por uma comunicação social sensacionalista ou por uma sociedade civil moçambicana frequentemente financiada por agências de desenvolvimento Ocidentais. Nestas análises, os empregadores e agentes estrangeiros aparecem frequentemente silenciados, carecendo a realização de estudos que reflictam sobre os respectivos modelos de negócio e de conduta em Moçambique, assim como perspectivas e representações sociais.
Neste sentido, a revista Cadernos de Estudos Africanos pretende reunir contribuições académicas em forma de artigos, recensões ou entrevistas que versem sobre os seguintes tópicos de análise:
  • Reflexões críticas sobre a construção social dos conceitos de BRICS ou de cooperação Sul-Sul;
  • Relações inter-governamentais ente Moçambique e os BRICS;
  • Estratégias de gestão e de implementação nos mercados por parte de empresas oriundas dos BRICS;
  • Exploração de recursos naturais e processos de reassentamento de populações em Moçambique;
  • Práticas de responsabilidade social, relações laborais ou investimentos oriundo dos BRICS;
  • Representações sociais e relações interculturais entre moçambicanos e cidadãos brasileiros, russos, indianos, chineses ou sul-africanos;
  • Reacção das organizações da sociedade civil moçambicana relativamente ao relacionamento com os BRICS ou dinâmicas de relacionamento entre os movimentos da sociedade civil de ambos os países.
As contribuições deverão ser encaminhadas para cadernos.cei@iscte.pt, com o assunto “Moçambique e os BRICS”, até dia 30 de setembro 2016. Os autores serão notificados sobre a aceitação do artigo dia 21 de outubro de 2016.
Organizadores: João Feijó (Observatório do Meio Rural) & Nelson António (ISCTE-IUL)

terça-feira, 26 de abril de 2016

Como você pode e deve combater o corte da internet banda larga

No começo de fevereiro deste ano, a Vivo anunciou um novo modelo de negócios para o Internet Fixa, antigo Speedy — e isso inclui a GVT, que, agora, também é Vivo. Neste novo modelo, que funcionará a partir de 2017, os planos de banda larga passarão a ter um sistema franquia igual aos que já conhecemos no mundo dos dados móveis em smartphones: um limite para você navegar na internet. Depois disso, ela será cortada.

Resumindo: você terá um limite de dados em gigabytes para navegar na web. Caso ultrapasse esse saldo, suas conexões podem ter a velocidade reduzida ou até mesmo ser cortadas, tornando necessário pagar uma taxa extra para continuar navegando normalmente.

Ao lado da Vivo, outras operadoras estão apoiando essa ideia e também pretendem participar desse jogo: a Claro, a Oi e a NET. Outras companhias estão mostrando maior lucidez sobre o caso e se posicionaram a favor dos clientes. Tanto a Copel quanto a Live Tim e a Algar comentaram que não vão cortar a internet de usuários.

Atualização: A Anatel decidiu proibir por no mínimo 90 dias o corte de acesso à internet fixa por consumo de franquia ou a cobrança adicional de tarifa após ultrapassagem de determinada banda de tráfego
Seja bem-vindo ao inferno


O TecMundo preparou uma reportagem sobre essa medida que cobre todos os pontos e vai resolver todas as questões que você pode ter na sua cabeça. Falamos com todas as operadoras, conversamos também com a Anatel e alguns movimentos contrários tentando entender como barrar a medida.


O Brasil terá a internet mais cara do mundo

Você vai até saber sobre uma investigação do Ministério da Justiça sobre um possível cartel: "A proposta de alteração do sistema de cobrança reflete planos comerciais abusivos, com o propósito disfarçado de encarecer os custos de utilização da internet pelo usuário médio. O Brasil terá a internet mais cara do mundo", comentou o promotor Paulo Roberto Binicheski sobre a possível formação de um cartel.



Chegou a hora de se mexer

Agora, você já entendeu tudo o que pode acontecer com a sua internet — tanto em termos de corte quanto em gastos extras —, e chegou a hora de decidir a sua posição e colocar a mão na massa. É necessário lembrar que todos somos cidadãos e, na teoria, temos voz ativa na sociedade para demonstrar indignação ou apreço.

Se você acredita que as operadoras não devem cortar a internet, cerceando a navegação e o acesso a informação, vamos lhe passar algumas dicas sobre o que você pode fazer para que a sua voz seja ouvida.
Informação

Você pode até achar que isso não ajuda, mas o compartilhamento de informações é uma das armas mais fortes da democracia. Quanto mais instrução e maior for a sua bagagem sobre um assunto, mais fáceis ficam o posicionamento e o entendimento sobre ele. Além disso, ao compartilhar notícias que explicam o que está acontecendo, você também ajuda o seu amigo, o seu vizinho e o seu familiar a se posicionar.

Então, meu amigo, não tenha medo de parecer um chato: entenda, divulgue e compartilhe notícias e ações que possam ajudar na luta.
Petições

Vários órgãos e movimentos estão preparando abaixo-assinados na internet. Se você não tem tempo para participar ativamente (localmente) de outras maneiras de protesto, as petições são uma boa saída. Até o momento, a "Contra o Limite na Franquia de Dados na Banda Larga Fixa", que vai ser entregue para Vivo, Oi, NET, Claro, Anatel e Ministério Público Federal, já conta com quase 1,5 milhão de assinaturas.

Para assinar esta petição no AVAAZ, clique aqui.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, PROTESTE, também resolveu agir e está convidando a população para ajudar na briga. Ela comenta que a cobrança extra feita pelas operadoras é ilegal. Além disso, que essa mudança acaba ferindo todos os princípios do Marco Civil da Internet. Nele, é claro que operadoras só podem cortar a internet de alguém se o cliente não pagar a conta no final do mês.

Movimento Internet sem Limites

O Movimento Internet sem Limites é um grupo de pessoas que se uniu por meio da internet para combater as possíveis medidas de bloqueio e corte de internet — e eles já estão alcançando as 400 mil curtidas no Facebook.

O grupo é o mais ativo de todos, com postagens diárias explicando para o usuário de internet tudo o que pode acontecer. No caso, eles estão divulgando algumas petições para você fazer a sua parte — isso entra no âmbito de pressão popular, que vamos comentar mais para baixo. Acompanhe:

Basta preencher os dados pedidos nas petições, imprimir o documento, colocar a sua assinatura e entregar o papel nos locais indicados. Assim que você entregar, pegue o protocolo ou documento de entrega. Registre a sua ação — toda e qualquer petição entregue ao MPF ou Anatel precisa ser respondida em até 15 dias.


Pressão popular

Não, amigo: manifestação não é coisa de vagabundo. Está na hora de o Brasil crescer e os usuários de internet se unirem. É necessário deixar um pouco de lado os maniqueísmos da torcida política e lutar por um bem comum. Aqui, a questão não é uma luta da esquerda ou da direita, é uma briga comum feita por pessoas que não vão aceitar que a internet seja limitada e que o conhecimento/informação seja censurado por causa de dinheiro.

Por isso, uma das formas de mostrar a sua insatisfação é participar de manifestações públicas ou passeatas. A maioria delas é organizada via redes sociais: fique atento ou organize uma você mesmo. Como será que as operadoras de internet banda larga vão se sentir quando milhares de internautas saírem da internet e resolverem levantar alguns cartazes na frente dos endereços físicos dessas mesmas companhias?

Como citamos anteriormente, vá atrás de partidos e deputados em que você depositou o seu voto. Descubra emails e telefones de políticos e faça pressão. Os políticos são colocados nos cargos para representar as necessidades e as vontades da população. Qual é a importância do seu voto, afinal? Caso contrário, por que temos políticos?
Audiência pública

Uma audiência pública sobre o caso vai acontecer — e a sua presença é importante. Quem convocou foi a Comissão de Serviçõs de Infraestrutura do Senado Federal, que busca debater essa mudança no formato de comercialização da internet no Brasil.

Além de representantes de todas as operadoras envolvidas, estarão presentes: a Secretária Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Juliana Pereira), o Secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações (Maximiliano Martinhão), a Superintendente de Relações com os Consumidores da Anatel (Elisa Leonel), a Superintendente de Proteção aos Direitos do Consumidor do Estado de Goiás (Darlene Azevedo Araujo) e o presidente-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Eduardo Levy), segundo informações da Jovem Pan.

"A necessidade da internet é uma realidade porque isso vai afetar as pessoas com menor poder aquisitivo, e a nossa intenção é aumentar a qualidade, e não diminuir", disse o senador Wilder Morais (PP-GO) à JP.

A data da audiência pública ainda não foi divulgada, mas, assim que soubermos, vamos trazer a informação para você.


O que você está esperando?

As ações já começaram, como você notou ao longo desta matéria. Além de petições e audiências, usuários começaram a incitar um boicote às operadoras contra as novas medias. Nesta semana, a Vivo iniciou uma campanha chamada "Viver é a melhor conexão" — e, ao que parece, os resultados não estão sendo tão positivos na internet: o vídeo da campanha já tem mais de 250 mil dislikes no YouTube; e a caixa de comentários não é nada agradável para a companhia. 

Por isso, aproveite que estamos vivendo em uma democracia. Aqui, no Brasil, você tem voz para lutar pelos seus direitos. Você tem liberdade para discordar de decisões e mostrar a sua insatisfação. Se você não concorda com o corte de internet por meio de franquias, esta é a hora de você ir para a luta. 

Fonte: TecMundo


Manifestação contra a taxa do "Imposto de Internet", na Hungria

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Projeto (quase!) colaborativo de mestrado sobre diabetes e participação social

Em novembro de 2014, após uma conversa com a Presidente da CONITEC (1) durante o 2º Encontro de Blogueiros e Ativistas em Saúde, comecei a refletir sobre a necessidade de dados para a criação de políticas públicas em saúde, incluindo a implementação de programas para a atenção às pessoas com diabetes. 

A princípio atribui à indústria farmacêutica, aos institutos de pesquisa e às associações médicas a responsabilidade pela elaboração e busca desses dados (2). Mas considerando a diretriz constitucional do SUS de participação da comunidade na saúde (artigo 198, III, CF), comecei a questionar se nós usuários do SUS também não poderíamos contribuir para a coleta das informações necessárias ao aprimoramento das políticas necessárias à promoção, prevenção e recuperação da nossa saúde.

Fiz então uma breve análise dos processos judiciais dos meus clientes e percebi que a proporção da prevalência de diabetes tipo 1 e tipo 2 se invertia nos processos judiciais: o diabetes tipo 1 no Brasil corresponde a aproximadamente 10% dos casos, enquanto o tipo 2 atinge cerca de 90% dos portadores (3); nos processos dos meus clientes, 75% deles era do tipo 1, e 25% era do tipo 2. Uma pesquisa mais ampliada que confirmasse esses números poderia indicar a necessidade de inovações no tratamento de pessoas com diabetes tipo 1, pois são eles os que mais procuram a justiça para receber do SUS os medicamentos necessários à sua sobrevivência digna.

Comecei então a pensar em um projeto de pesquisa de mestrado sobre o assunto, abordando a terapêutica pública do diabetes relacionando-a aos processos judiciais de pedidos de medicamentos para tratamento da doença no Brasil. Mas logo percebi que meu interesse pelo controle social no SUS era tão grande quanto a minha vontade de buscar dados sobre o diabetes, o que exigia uma adaptação do projeto para incluir a participação da comunidade das pessoas com diabetes na elaboração das políticas públicas.

Para delimitar melhor o objeto da pesquisa, me inscrevi como aluna especial na disciplina de "Regionalização de Regulação das Redes de Atenção à Saúde" da Faculdade de Saúde Pública da USP, ministrada pela Profª. Marília Louvison. A partir do texto “Democracia, Poder Local e Inovação”, integrante do livro “Democracia e Inovação na Gestão Local de Saúde”, de Sônia Fleury, consegui fixar alguns parâmetros para o projeto, que já passou por inúmeras transformações desde a análise dos processos dos meus clientes em 2014.

Mas não consegui deixar de pensar que, sendo um projeto sobre diabetes e participação social, seria muito interessante se a comunidade de pessoas com diabetes pudesse também opinar (contribuindo de forma participativa) sobre os destinos a que pretendo levar essa pesquisa.

Desta forma, compartilho aqui (depois da imagem) a íntegra do texto produzido para a aula sobre democracia, poder local e inovação. Transcrevo aqui a parte final, que explica brevemente a ideia da pesquisa:

"Pensou-se inicialmente em coletar dados sobre os temas debatidos por associações de pacientes, blogueiros e ativistas (nas redes virtuais e nos territórios) nos últimos dez anos, e compará-los à evolução dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas de diabetes, para verificar se as demandas da comunidade diabética foram atendidas, ou seja, se a participação social direta resultou em alguma mudança em questão de implementação de política de saúde voltada a pessoas com diabetes. Mas é possível uma análise mais aproximada da democracia direta, a partir da ideia de poder local, coletando os dados relativamente a governos e participação social subnacionais, para comparar dois Estados (São Paulo e Piauí, por exemplo) ou duas cidades (São Paulo e Brasília, por exemplo) a partir das diferenças de seus protocolos regionais de tratamento do diabetes, relacionando-os aos temas debatidos por associações de pacientes, blogueiros e ativistas (nas redes virtuais e nos territórios) dessas regiões, tentando aferir a influência dos grupos sobre a política de saúde local para pessoas com diabetes, incluindo no debate a problematização trazido no início deste texto."

Ficarei muito feliz se a comunidade diabética, pessoas que convivem com portadores da doença (parentes e trabalhadores da saúde), e ainda outros pesquisadores, comentarem o post trazendo suas ideias sobre diabetes e participação social, para que possamos juntos buscar esses dados necessários ao aprimoramento dos cuidados das pessoas com diabetes pelo viés do SUS democrático e participativo. 


Referências:

(1) Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS: http://conitec.gov.br/index.php/entenda-a-conitec-2

(2) Diabetes e inovações tecnológicas: políticas públicas dependem de números (?):http://diabetesedemocracia.blogspot.com.br/2014/11/diabetes-e-inovacoes-tecnologicas.html

(3) Tipos de Diabetes (página da Sociedade Brasileira de Diabetes): http://www.diabetes.org.br/para-o-publico/diabetes/tipos-de-diabetes

(4) Livro “Democracia e Inovação na Gestão Local de Saúde”, de Sônia Fleury: http://peep.ebape.fgv.br/sites/peep.ebape.fgv.br/files/file/DEMOCRACIA%20E%20INOVACAO%20NA%20GESTAO%20LOCAL%20DA%20SAUDE.pdf





Cidadania, democracia direta e inovações em saúde


De que forma as inovações são implementadas no sistema público de saúde brasileiro, no contexto de uma democracia representativa e direta com acesso desigual dos diferentes atores sociais à participação nas políticas públicas de saúde, considerando as disputas inerentes ao sistema de produção capitalista, em que direitos se contrapõem a produtos de consumo, o privado se interpõe ao público, e a relação de forças entre trabalho e capital dependem da intervenção do Estado, que não exerce apenas o papel de regulador dessas relações, mas também é responsável pela promoção, prevenção e recuperação em saúde? Qual a relação estabelecida entre Estado, cidadãos e empresas privadas a nível regional, nacional e global na política de saúde que, muitas vezes reproduz as desigualdades da democracia brasileira? Estes são os problemas trazidos para análise por Sônia Fleury em “Democracia, Poder Local e Inovação”, primeiro capítulo do livro “Democracia e Inovação na Gestão Local de Saúde”. 

A publicação é fruto de uma pesquisa realizada entre 1996 e 2006, dividida em duas etapas: a primeira, nomeada de “Municipalização da Saúde e Poder Local no Brasil”, estudou a diversificação do perfil dos gestores municipais e a consequente inovação no desenho institucional e na dinâmica de funcionamento da gestão, em suas dimensões social (relação Estado-sociedade), gerencial (eficiência e produtividade) e assistencial (programas de atenção local); e a segunda, nomeada de “Municipalização da Saúde: inovação na gestão e democracia local no Brasil”, após análise comparativa de dados entre 1996 e 2006, verificou que houve uma redução das discrepâncias entre os setores social, gerencial e assistencial, acarretada pela redução de inovações no setor gerencial e avanço na inovação assistencial (considerando os investimentos na atenção básica e todas as transformações político-econômicas dessa década), identificando a gestão como um ponto crítico da descentralização da política de saúde.

Além dos resultados da análise em questão, o estudo se afigura ainda mais interessante quando se considera a autora do projeto, que foi militante da reforma sanitária e consultora da Assembleia Nacional Constituinte para redação do capítulo de Seguridade Social da Constituição Federal. Ou seja, a pesquisa sobre a inovação e deslocamento de poder na sociedade brasileira a partir do arcabouço jurídico-normativo sobre saúde da Constituição Federal foi realizada por quem esteve intimamente ligada a essas transformações do sistema de saúde no Brasil.

Na abordagem da relação entre democracia, poder local e inovação, Sônia Fleury parte dos fundamentos teóricos sobre democracia, passando pelos conceitos de governança e governabilidade, até chegar nas hipóteses pesquisadas, que relacionam o poder local e descentralização à inovação em saúde, estabelecendo ainda modelos de difusão das inovações.

As teorias filosófico-jurídico-econômicas são, na primeira parte do capítulo, o referencial da análise sobre a construção da democracia e da cidadania no Brasil, a partir do histórico nacional de desenvolvimento do capitalismo e das transformações que provocou nas relações baseadas no associativismo, no clientelismo e no corporativismo, com a descentralização do poder a partir dos movimentos municipalista e de reforma sanitária durante a transição político-democrática, e expansão da cidadania, que exigiu maior intervenção e atuação do Estado na garantia de acesso aos direitos sociais (em que se inclui o direito à saúde). Embora haja teorias sobre a construção da cidadania no Brasil que identifiquem uma inversão da ordem natural dos direitos como uma ameaça à governabilidade, Sônia Fleury aponta como ameaça real o paradoxo entre a cidadania formal e a extrema desigualdade de acesso à distribuição de riquezas e aos bens públicos no Brasil, como reflexo de uma dissociação entre o desenvolvimento capitalista e a democracia, que no estágio atual apresenta demandas de diversificadas origens e de maior participação e controle social sobre os atos administrativos, para conferir legitimidade ao exercício do poder representativo.

A inclusão de novos atores sociais locais veio acompanhada da ampliação de demandas, exigindo o estabelecimento de um novo desenho institucional face à incapacidade do Estado de atendê-las, o que ameaçaria a governabilidade, então traduzida como capacidade de manter coalizões políticas objetivando a estabilidade econômica atrelada à nova ordem mundial de reformas estruturais do Estado, privatizações e ajuste fiscal. Há um deslocamento da discussão da área política para a área técnico-administrativa, em que a preocupação com a governabilidade cede lugar à ideia de governança, centrada nos processos e mecanismos de gestão. As práticas patrimonialistas no Brasil na década de 90, ditadas por diretrizes de órgãos econômicos internacionais, impedem a expansão da cidadania, mantém as desigualdades, desvalorizam os serviços e os trabalhadores públicos, e despolitizam o debate, criando um ambiente desfavorável às políticas públicas asseguradoras dos direitos sociais conquistados com a democracia. Todavia, o dinamismo das transformações sociais ocorridas com a inclusão dos novos atores sociais no cenário político impõe a tomada de medidas para a consolidação da democracia, provocando a reorganização da economia nacional frente a mundial, considerando a integração social no projeto de desenvolvimento, através de redes de políticas públicas envolvendo a descentralização do processo decisório, permitindo o exercício de um poder plural e diversificado.

Embora os resultados da descentralização não sejam claros quanto ao fortalecimento da democracia e aumento da eficiência dos serviços públicos (justificativas também utilizadas para processos centralizadores), é possível relacioná-la ao desenvolvimento local quando confere ao governo subnacional autonomia, entendida como a capacidade de formular políticas e executá-las no âmbito local, e ainda influenciar a agenda nacional. Portanto, os benefícios da descentralização, em termos de promoção do welfare state e de limitação da concentração de poder, depende do contexto cultural, institucional e legal do país. No Brasil, apesar das dificuldades de implementação impostas pela política fiscal centralizadora, em algumas regiões a descentralização da gestão promoveu a ampliação da participação social, através da articulação dos atores sociais locais em uma rede de cooperação, criando um ambiente propício às inovações, que não se restringem à seara dos serviços públicos, mas se espraiam para as relações sociais. Assim, o fortalecimento da democracia não é originária da descentralização isoladamente, mas da complementar modificação da relação governo central-local-sociedade, com ampliação da cidadania.

Relacionando as reflexões trazidas pelo texto de Sônia Fleury, com críticas à democracia representativa por sua fragilidade na inclusão dos interesses dos diferentes atores sociais na pauta nacional de saúde, e que ao mesmo tempo credita à democracia direta (ainda que não utilize o termo), através da participação social, maiores chances de promoção da cidadania enquanto inclusão de interesses diversificados nas decisões sobre políticas públicas, é possível repensar a abordagem do projeto de pesquisa sobre os eventuais resultados da militância (dos grupos reunidos em associativismo em torno do tratamento de pessoas com diabetes no Brasil) na política nacional de atenção ao diabetes. 

Pensou-se inicialmente em coletar dados sobre os temas debatidos por associações de pacientes, blogueiros e ativistas (nas redes virtuais e nos territórios) nos últimos dez anos, e compará-los à evolução dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas de diabetes, para verificar se as demandas da comunidade diabética foram atendidas, ou seja, se a participação social direta resultou em alguma mudança em questão de implementação de política de saúde voltada a pessoas com diabetes. Mas é possível uma análise mais aproximada da democracia direta, a partir da ideia de poder local, coletando os dados relativamente a governos e participação social subnacionais, para comparar dois Estados (São Paulo e Piauí, por exemplo) ou duas cidades (São Paulo e Brasília, por exemplo) a partir das diferenças de seus protocolos regionais de tratamento do diabetes, relacionando-os aos temas debatidos por associações de pacientes, blogueiros e ativistas (nas redes virtuais e nos territórios) dessas regiões, tentando aferir a influência dos grupos sobre a política de saúde local para pessoas com diabetes, incluindo no debate a problematização trazido no início deste texto.

Débora Aligieri

sábado, 23 de abril de 2016

Censo da população em situação de rua da cidade de São Paulo, 2015 - SMADS e FIPE

A maior parte da população em situação de rua na capital paulista é formada por migrantes, de acordo com o Censo da População de Rua divulgado pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura. Os migrantes correspondem a 71% do total de pessoas que vivem na rua e a 73,4% do total das pessoas abrigadas nos centros de acolhimento da cidade. A maior participação é de pessoas procedentes da própria Região Sudeste e também do Nordeste.

O censo já havia sido divulgado no ano passado, mas o perfil socioeconômico da população em situação de rua foi apresentado quarta-feira (20/04/2016) pela prefeitura. No total, a cidade tem 15.905 pessoas na rua, sendo 8.570 nos centros de acolhimento e 7.335 em vias e espaços públicos.

De acordo com a pesquisa, a presença de imigrantes vivendo em situação de rua – 7% acolhidos e 1% na rua – é um fato social relativamente recente na cidade. “Esses estrangeiros são oriundos principalmente de países africanos que, chegando à cidade, procuram os serviços da rede de assistência social”, informa o documento.

Apesar de constituírem um grupo relativamente pequeno, o censo verificou uma tendência de crescimento em futuro próximo, com a intensificação do fluxo de refugiados para a capital, procedentes de países que passam por dificuldades econômicas e conflitos de natureza política, étnica e religiosa.

Segundo a pesquisa, a maioria dessa população, tanto dos acolhidos quanto daqueles que vivem na rua, é do sexo masculino, representando 88%. A faixa etária média é de 43 anos entre os acolhidos e de 41 anos entre os que estão na rua. Com relação à cor declarada, 69,7% dos acolhidos e 72,1% dos que estão na rua se consideram “não brancos”, ou seja, são pretos, pardos, amarelos ou indígenas.

O nível de escolaridade é baixo, com um percentual de analfabetos de 9,6% entre os que vivem na rua e de 7,1% entre os acolhidos. A proporção daqueles que completaram o ensino fundamental também é reduzida: pouco mais de 15% nos dois grupos e, dos que concluíram o ensino médio, 20,9% de acolhidos nos centros e 16,6% de quem está na rua.

Mais da metade da população em situação de rua já passaram por internação em alguma instituição, destacando-se o sistema prisional e as clínicas de recuperação de dependência de drogas e álcool, mostra a pesquisa. Entre os acolhidos, 30,5% passaram por clínicas de recuperação, 27,5% pelo sistema prisional e 11% por instituições psiquiátricas. Pela Fundação Casa passaram 10%. Com relação àqueles localizados nas ruas, 40% já passaram pelo sistema prisional, 32,8% por clínicas de recuperação de dependência e 12% pela Fundação Casa.

Saúde

Os problemas mais citados durante a coleta de dados foram de saúde bucal (27,5% dos acolhidos e 34,5% dos que estão na rua), sequela de acidentes (26% dos acolhidos e 26,7% dos que vivem na rua), HIV (3,3% dos acolhidos e 4,5% da rua) e tuberculose (3,9% dos acolhidos e 4,5% dos que estão na rua).

Sobre o uso de substâncias psicoativas, o levantamento constatou que a mais utilizada é o álcool: 44,6% entre acolhidos e 70,1% entre os de rua. Com relação às drogas ilícitas, 52,5% dos que estão na rua e 28,7% dos acolhidos confirmaram o uso de alguma dessas substâncias.

Segundo a prefeitura, além da análise do estado de saúde dessa população, o estudo fez um levantamento sobre a utilização dos equipamentos públicos de saúde. Os dados revelaram que os serviços de atenção básica, como postos de saúde, unidades básicas de saúde e AMAs foram utilizados pela maioria dos acolhidos e dos que vivem na rua, com índices de 71,3% e 57,6% respectivamente.

Violência

A população em situação de rua sofre ainda com a violência em diversas formas, desde agressão verbal até tentativas de homicídio. Tanto os acolhidos quanto os moradores de rua foram vítimas das seguintes formas de violência: agressão verbal como xingamento, ofensa e humilhação (55% e 70% respectivamente), roubo ou furto (59% e 64%), agressão física (38% e 50%), tentativa de homicídio com facada ou tiro (16% e 24%), remoção forçada (25% e 38%) e violência sexual (4% e 6%).

Os praticantes das agressões são, em grande parte, as próprias pessoas que pernoitam nas ruas, os agentes de segurança pública (polícias Civil e Militar e Guarda Civil Metropolitana), os agentes de segurança privada e pedestres.




Clique nos links abaixo para ter acesso aos relatórios:








terça-feira, 19 de abril de 2016

Vera Poty – uma UBS dentro da aldeia indígena Tenondé Porã

Por Stella Maris Chebli, apoiadora da PNH, e Débora Aligieri, do coletivo de editores/curadores da Rede HumanizaSUS, onde o texto foi originalmente publicado (http://www.redehumanizasus.net/91356-vera-poty-uma-ubs-dentro-da-aldeia-indigena-tenonde-pora)


Em 12.06.2015, fomos convidadas a conhecer a Unidade Básica de Saúde Vera Poty, localizada na entrada da aldeia guarani Tenondé Porã, no bairro de Parelheiros, no extremo sul da Capital de São Paulo. O nome parece ter sido dado em homenagem a uma criança que faleceu por falta de atendimento antes da instalação da UBS no local. A história é praticamente uma lenda, mencionada por funcionários e habitantes da aldeia que, no entanto, não a confirmam.


A UBS é muito bem estruturada, e repleta de informações sobre assuntos diversos de saúde – prevenção de dengue, chikungunya e de picadas de cobras, lei municipal sobre atendimento preferencial, fornecimento de medicamentos na rede federal, estadual e municipal de saúde, métodos contraceptivos, cuidados para idosos e para vítimas de violência (incluindo exploração sexual de crianças), e sintomas de meningite – através de cartazes afixados em várias partes da unidade. Em um deles é possível ler que “Políticas públicas se faz com informação”.






Na TV da UBS Vera Poty são exibidos programas e conteúdos com orientações sobre saúde, produzidos pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Municipal de Saúde, assim como acontece nas demais UBS's da Cidade de São Paulo.


Conhecemos também a aldeia Tenondé Porã e alguns de seus moradores, como o ex-cacique Manoel, atualmente integrante do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), que nos explicou como funciona (mal) a articulação entre os representantes da aldeia e os representantes da administração pública.


Em 2000, começaram o trabalho de regularização do território e de atendimento em saúde e educação com a FUNASA e com a FUNAI. Até 2010, era a FUNASA que atendia os índios, e a partir de 2011, a competência para atendimento da saúde da população indígena passou para a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena).


Segundo Manoel, com a FUNASA havia menos burocracia e funcionava melhor. Com o atendimento deles, a aldeia recebia reembolso do que havia gastado. Com a SESAI, não há reembolso, e a verba também não chega à aldeia.


Segundo relata o ex-cacique, o representante da SESAI nunca apareceu na aldeia. A FUNASA comparecia através de representantes e tinha escritório local. Os índios propuseram a criação de um escritório local da SESAI mas não acontece. Há 4 anos a aldeia tenta providenciar junto à SESAI o conserto de fossas, mas não recebem retorno do Distrito. O agente indígena de saneamento (Aisan), na aldeia Tenonde Porã, segundo Manoel, não tem ferramentas para trabalhar.


O controle social na SESAI é feito através do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) responsável por fiscalizar, debater e apresentar políticas para o fortalecimento da saúde em suas regiões. Manoel, membro do Condisi do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Litoral Sul, reclama que se o índio falta a duas reuniões (realizadas apenas em Curitiba, sede do distrito sanitário a que pertence a aldeia), perde o cargo, mas o mesmo não acontece com os brancos, que podem faltar a mais de duas reuniões sem perder o cargo representativo. Os bancos recusam abertura de conta em nome de pessoa física e do conselho indígena (para recebimento de ajuda de custo - transporte, hospedagem e alimentação - para a viagem até Curitiba) alegando "ausência de salário".


Assim como os índios da aldeia Brilho do Sol de São Bernardo do Campo (http://diabetesedemocracia.blogspot.com.br/2015/06/todo-mundo-aqui-e-beija-flor.html), também os índios da aldeia Tenondé Porã têm problemas para transportar quem necessita de tratamento de juruá (branco), para problemas de saúde não solucionados pelas ervas medicinais. As viaturas para transporte de pacientes até hospitais e atendimentos em especialidades, fora da UBS, são emprestadas do Saneamento da SESAI e funcionam até às 17h00. Há apenas um carro da UBS que funciona 24 horas.


O problema não foi referido apenas por Manoel, mas também pelo atual cacique Elias e pela Professora Jera, que estavam em reunião com os estudantes e jovens da aldeia naquele dia e nos convidaram a participar. Aproveitando a nossa presença, relataram a situação e as demandas de saúde local:

- faltam carros para transporte até a cidade para atendimento hospitalar e em especialidades, e faltam médicos (há só uma médica na UBS, que atende apenas em dois dias da semana);

- há fossas transbordando, com esgoto a céu aberto;

- quando um Aisan (agente indígena de saneamento) tira férias, não há outro funcionário para substituí-lo no trabalho;

- as visitas dos representantes da OS responsável pelo atendimento em saúde na aldeia não são frequentes;

- há somente duas caixas d’água para abastecimento das aldeias Tenondé Porã e Krukutu, bem próxima de lá, que precisam de reparos (estão carcomidas por ferrugem).


"A aldeia é pequenininha, mas tem muitas pessoas" diz a professora Jera. A Tenondé Porã tem 26 hectares, que foram demarcados em 1987. A FUNAI reconheceu 15.900 hectares no total, mas ainda não os demarcou. Mas antes mesmo da demarcação, os territórios já estão sendo invadidos. E com a instalação de wi-fi no CECI (Centro de Cultura Indígena), jovens "juruás" invadiram o local e trouxeram drogas...”


Assim, infelizmente, o transporte que falta para os índios para o atendimento público em saúde, não falta quando subsidiado privadamente por traficantes de drogas e por invasores de terras indígenas.


quinta-feira, 7 de abril de 2016

Dia 7 de abril: em defesa do SUS e da democracia, ou como segurar uma faixa em defesa do SUS

Em 07 de abril é comemorado no mundo inteiro o Dia Mundial da Saúde, data em que ocorrem diversos eventos e manifestações em defesa da saúde enquanto valor indissociável da ideia de dignidade humana.

Em 2015 estive em uma dessas manifestações, marcada por fortes críticas à privatização da saúde pública, em razão da abertura à exploração pelo capital estrangeiro, após aprovação da Medida Provisória 656/2014, que modificou os artigos 23 e 53-A da Lei do SUS (Lei nº 1080/90). Participei de uma passeata na cidade de São Paulo que saiu da sede da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e desceu a Rua da Consolação, passando pela Secretaria Municipal de Saúde, até chegar na Praça da República.

Durante todo o trajeto, ajudei a segurar uma das faixas integrantes das manifestações em defesa do SUS público, universal, integral, igualitário, com participação social e gratuito. Parece ser uma tarefa simples carregar um tecido com palavras escritas, mas não é. Além de não ser apenas um pano desenhado - mas uma bandeira ética em defesa da justiça social que representa o nosso sistema de saúde - são necessárias várias medidas e várias pessoas para que as palavras não sejam ocultadas no percurso.

Quando me passaram a faixa, segurei-a sem muitos problemas, com a ajuda de duas colegas, por ser um tecido grande. Mas logo depois que levantamos nossas palavras, percebi que precisávamos coordenar nossos passos, pois se uma se adiantava à outras duas a legibilidade ficava prejudicada. Após algum tempo segurando a faixa, comecei a sentir cansaço nos braços. Assim, fizemos um revezamento com outros colegas para segurar a faixa que, quando se cansavam, nos repassavam novamente a tarefa de manter as palavras altivas, e assim sucessivamente, até chegarmos no ponto final da passeata.

Encerrado o evento, percebi que a nossa caminhada refletia, por analogia, os caminhos do SUS. 

O sistema público de saúde acompanhou a abertura política brasileira, e desde a criação a partir da Constituição Federal de 1988 vem percorrendo sua trajetória em busca da efetividade do direito à saúde como próprio de todos os brasileiros.

Assim como a grande faixa que segurávamos, o nosso sistema de saúde - que abrange desde serviços básicos até atendimentos de alta complexidade - exige a coordenação dos setores e dos atores sociais envolvidos para que o SUS funcione bem. As 3 pessoas que seguravam a faixa poderiam representar os 3 setores da saúde - sociedade, Estado e Capital, ou as 3 categorias de pessoas envolvidas com os serviços do SUS - usuários, trabalhadores e gestores. 

Se não há diálogo entre esses setores e atores, se um avança sobre os passos dos outros, a saúde pública se torna inacessível enquanto direito social. É comum sentirmos cansaço e desânimo depois de um longo período de caminhada em defesa da saúde pública, mas a presença dos companheiros nos ajuda a recobrar as forças para, ainda que de forma não concomitante, seguirmos juntos enquanto sociedade que valoriza e defende suas conquistas democráticas, entre elas o SUS. Para que as palavras da Constituição Federal que asseguram a saúde como direito de todo cidadão brasileiro e obrigação do Estado sejam mais que altivas, sejam efetivas e materializadas na prática.








Em 07 de abril costuma-se debater o tema escolhido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como foco das ações em saúde necessárias à solução de questões com impacto na vida da população mundial. Neste ano de 2016, o tema escolhido pela OMS foi o combate ao diabetes (veja página da organização sobre o assunto - em espanhol - neste link: http://www.who.int/campaigns/world-health-day/2016/es/).

Mas no Brasil, em razão dos recentes ataques à democracia e ao sistema público de saúde - indissociáveis entre si, já que a saúde universal e com participação social tem por pressuposto o respeito ao Estado Democrático de Direitos - o Conselho Nacional de Saúde propôs o 7 de abril de 2016 como o Dia Nacional em Defesa do SUS e da Democracia (leia mais sobre o assunto neste link: http://www.fenafar.org.br/index.php/2016-01-26-09-32-20/saude/766-cns-prepara-dia-de-mobilizacao-em-defesa-do-sus-e-da-democracia).






A celebração que privilegia a realidade local (lembrando que em 2015, enquanto o debate do Novembro Azul do Diabetes no mundo se focava na alimentação saudável com limitação do consumo de produtos com agrotóxicos, no Brasil a Sociedade Brasileira de Diabetes elegeu como tema a qualidade de vida), não representa menosprezo à situação das pessoas com diabetes, mas tem por base as condições políticas necessárias ao combate da doença.

Fui diagnosticada com diabetes em 1986, antes da criação do SUS em 1988, e sei o quanto é difícil o acesso aos serviços necessários ao cuidado da saúde da pessoa com diabetes sem um sistema de saúde público e universal, sem direito a assistência farmacêutica, sem possibilidade de influência sobre as políticas de atenção às pessoas com diabetes, sem os serviços que representam o atendimento integral (como exames laboratoriais, consultas médicas e orientações sobre formas de autocuidado) da saúde da pessoa com diabetes. 

Por isso considero a adaptação muito feliz, porque sem democracia não haverá combate eficaz ao diabetes, nem medidas para tanto que seja acessíveis a todas as pessoas no Brasil.





Os representantes do mercado da saúde, favorecidos pelo financiamento privado das campanhas eleitorais que comprometem a atuação dos representantes eleitos com os interesses de empresas privadas, vem avançando em passos largos sobre o SUS. Além da entrada do capital estrangeiro no país, há outras ameaças (leia afirmação de Ligia Bahia nesse sentido: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/04/sus-depende-da-democracia-reafirmam-especialistas-em-evento-realizado-pela-fiocruz-1716.html). 

Para evitar o descompasso entre a saúde enquanto direito social e a penetração cada vez maior das empresas privadas na saúde pública é necessário o fim dos subsídios públicos e da renúncia fiscal concedida aos planos privados de saúde, a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar convênios médicos, não haver cortes e contingenciamento ao orçamento da saúde, entre outros pontos (http://www.spbancarios.com.br/Noticias.aspx?id=14475#sthash.QT0yLTyK.dpuf).

Assim, nas comemorações do Dia Mundial da Saúde de 2016 no Brasil, vários eventos estão programados para levantar a faixa da cidadania em defesa do SUS e da democracia, entre eles um ato na Faculdade de Saúde Pública da USP no dia 06/04, às 18h00 (http://www.cut.org.br/imprimir/news/b6312f83cbc928533ea4c4a0c9a9d9f4/), uma caminhada no centro da cidade de São Paulo a partir das 10h00 em 07 de abril (http://www.spbancarios.com.br/Noticias.aspx?id=14475) e um abraço simbólico ao edifício sede do Ministério da Saúde, em Brasília, às 12h, também no dia 07 (https://www.facebook.com/ConselhoNacionalSaude/?fref=ts e http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2016/03mar24_7abril_defesa_democracia.html).






Só existe SUS na democracia!