A saúde no Brasil é um direito social, conforme definido pela Constituição Federal em seu artigo 6º. Considerando o grande número populacional do país, uma das formas encontradas para garantir o acesso integral aos serviços de saúde foi a concessão da prestação desses serviços à iniciativa privada (artigo 199, CF). Assim, os planos de saúde deveriam funcionar de forma suplementar ao SUS, oferencendo atendimentos em saúde em auxílio ao sistema público, mediante contribuição dos beneficiários.
Com o aumento do poder de compra dos brasileiros (1) nos últimos 15 anos, a procura pelos serviços privados de saúde também cresceu. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (2), no ano 2000 havia 31,2 milhões de brasileiros beneficiários de planos de saúde, que neste ano de 2015 passaram para 50,8 milhões, ou seja, quase 20 milhões a mais de pessoas. Isso significa que as operadoras de planos de saúde conquistaram quase um milhão e meio de clientes a mais por ano.
De forma inversamente oposta ao aumento dos lucros das operadoras, no mesmo período a qualidade dos serviços passou por uma notável piora, acarretando maior procura do Judiciário pelos beneficiários afim de garantir que os serviços de saúde fossem prestados na forma e no momento adequados.
Alegando subsidiar os magistrados e demais operadores do Direito, e assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência suplementar à saúde, o Conselho Nacional de Justiça expediu a Recomendação nº 36/2011 (3) que, entre outras coisas, sugere a criação de núcleos de apoio técnico que incluam em sua composição os planos de saúde.
Atendendo à recomendação do CNJ, em 13/04/15 o Tribunal de Justiça de São Paulo criou o Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação - NAT (4), que emitirá pareceres sobre pedidos liminares nas ações distribuídas no Fórum João Mendes Júnior, formado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) e pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidades que representam operadoras de planos de saúde.
Além do óbvio conflito existente em um representante dos réus elaborar pareceres decidindo pedidos contrários aos seus interesses, o que poderia ser mitigado pela presença da ANS - se a agência reguladora, que em 2013 foi presidida durante alguns meses pelo advogado de planos de saúde Elano Figueiredo, protegesse com mais eficiência os direitos dos associados - o que mais ressalta o desequilíbrio de forças desse núcleo é a ausência de representantes dos usuários da assistência suplementar.
A participação social em decisões administrativas é ainda incipiente, e tornou-se mais presente no quotidiano dos brasileiros a partir de consultas públicas realizadas em larga escala pelo Ministério da Saúde para a incorporação de medicamentos ao SUS, e pela própria Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Mas a mesma ANS, quando da definição dos prazos máximos de atendimentos em 2011, antes de expedir a Resolução nº 259 pertinente ao tema, também consultou apenas as operadoras dos planos de saúde. Conforme se lê na reportagem sobre o início da vigência da norma, com perguntas e respostas sobre o tema: "14) Como foram definidos os prazos máximos para atendimento previsto na Resolução Normativa 259? (...) As operadoras indicaram os prazos ideais para o atendimento."
Da mesma forma que na definição dos prazos máximos de atendimentos pela ANS as operadoras indicaram o ideal (para elas, e não para os consumidores), também neste núcleo de apoio técnico do Tribunal de Justiça indicarão as soluções que lhes serão "ideais", em prejuízo, mais uma vez, dos beneficiários da saúde suplementar.
Mas este não será o primeiro caso em que o Poder Judiciário favorece a participação da parte mais forte para decidir a vida e a saúde dos cidadãos e dos jurisdicionados. Desde 2012 funciona no Fórum da Fazenda de São Paulo o setor de Triagem Farmacêutica no Juizado Especial da Fazenda Pública – Jefaz (6), que se por um lado oferece informações aos cidadãos sobre acesso a medicamentos na rede pública, também fornece informações aos magistrados para subsidiar pedidos judiciais de medicamentos e tratamentos de saúde. Da mesma forma que o NAT, o setor do JEFAZ é composto apenas por funcionários da Secretaria Estadual de Saúde, deixando de fora o Conselho Estadual de Saúde, que representa os usuários do SUS.
A solução mais plural e democrática, em todos esses casos, seria incluir na composição destes núcleos de apoio os órgãos de defesa dos cidadãos - no caso do NAT e da ANS, IDEC e PROCON, e no caso do JEFAZ, Conselho Estadual de Saúde - conferindo maior equilíbrio de forças para a elaboração de pareceres, com opiniões de representantes de ambas as partes no conflito - que neste caso representa também a disputa de forças entre o Capital e os trabalhadores.
No que se refere às demandas propriamente ditas contra os planos de saúde, a criação do NAT se oferece como solução de problema que não existe para os consumidores jurisdicionados, já que os processos que envolvem saúde tem tramitação prioritária no Tribunal de Justiça de São Paulo. Em alguns casos, as respostas aos pedidos liminares são proferidas apenas uma hora após a propositura da ação. Neste caso, oferecer um parecer em 24 horas - e postergar a concessão da liminar condicionando-a à sua elaboração - seria um retardo da solução, em contrariedade ao direito constitucional à celeridade processual (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
O problema portanto, não parece ser o número de processos contra planos de saúde no Estado, resolvidos com grande rapidez, mas o número de decisões favoráveis aos consumidores e contrárias aos interesses das operadoras, que com o NAT poderão retardar um pouco mais o atendimento aos beneficiários, ou até mesmo fornecer subsídios para que o magistrado reconheça como legítima recusa ilegal e imoral, como são todas as negativas de proteção à saúde dos cidadãos.
Com a configuração atual, o núlceo do Tribunal de Justiça de São Paulo é apoio para as operadoras de planos de saúde em detrimento dos direitos dos consumidores. É claro posicionamento em favor do mais forte na relação de consumo, é desequilíbrio de forças em prejuízo dos cidadãos e da democracia, e contra a saúde enquanto direito social.
Referências:
(1) IBGE- Uma análise das condições de vida da população brasileira - 29/11/2013
(2) ANS - dados e indicadores do setor - atualizado em 06/2015
(3) Recomendação nº 36, de 12 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça
(4) Tribunal de Justiça cria núcleo para mediar liminares nas questões que envolvem cobertura de planos de saúde
(5) Norma sobre garantia e tempos máximos de atendimento entra em vigor
(6) TJSP e Secretaria da Saúde do Estado firmam convênio para melhorar atendimento à população
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