Car@s Amig@s da blogosfera.
Compartilho aqui com vocês algumas reflexões a partir da leitura do primeiro texto do livro “Em defesa da sociedade” (aula de 07 de janeiro de 1976 de Michel Foucault no Collège de France), e também as anotações feitas durante o debate com os demais colegas da disciplina de "Biopolítica e micropolítica na produção de modelos tecnoassistenciais", da pós-graduação da Faculdade de Saúde Pública da USP, sob coordenação da Profª. Laura Camargo Macruz Feuerwerker.
Na verdade, este é um convite para a continuação e ampliação do diálogo na rede, através de novos comentários e reflexões que venham se somar a esses que publico agora.
E começo questionando: onde estão as frestas da produção crítica do conhecimento sobre saúde? Como garantir espaços de disputa de sentidos sobre saúde sem tender à "pacificação" das ideias e à regularização dos modos de vida?
foto das anotações do debate da aula inaugural,
imagem que será retomada ao final da disciplina
Foucault – Em
defesa da Sociedade – Aula de 07.01.76
No
primeiro texto/aula do livro “Em defesa da sociedade”, que reúne o conteúdo
desenvolvido por Michel Foucault no Collège de France entre os meses de janeiro
a março de 1976 na disciplina de “Histórias dos sistemas de pensamento”, nos
deparamos já no início com uma espécie de aviso do autor: estamos aqui para
pensar. Mas Foucault deixa escapar uma observação sobre a existência de uma
associação entre o que é ensinado e o que se paga para ser ensinado. Seria essa
uma tentativa de, mais do que ressaltar a indissociabilidade da educação do
sistema político-econômico em que se insere, chamar a atenção para uma certa
instrumentalidade ou intencionalidade do campo do desenvolvimento dos saberes,
para tentar superar ou ampliar o pensamento para além desses limites?
Foucault
parte de uma análise das modificações no modelo de suas aulas como providência
necessária à realização de trocas entre professor e alunos e alunas, tendo por
foco o desenvolvimento de pesquisas mais objetivas, identificando as
ferramentas de produção do saber científico, entre elas a produção de
narrativas como instituidoras desse saber. E também como essa produção de
saberes está muito mais associada a verdades como convenções do que propriamente
a questionamentos filosófico-científicos.
Em
seguida Foucalut identifica as frestas de produção crítica do conhecimento
dessas narrativas filosóficas a partir de algumas características:
localidade/particularidade (em contraposição à aplicação geral) dos
questionamentos; percepção de saberes sujeitados a eleição de versões e fontes
oficiais da história com a abertura de espaço para os “saberes das pessoas”,
que chamou de saber histórico das lutas. É no acoplamento entre as correntes
eruditas não oficiais da filosofia e os saberes das pessoas que se localiza a
genealogia do saber histórico das lutas.
A
disputa então não seria em torno da verdade, mas do poder de dizer a verdade
(quem e a partir de quais conhecimentos), em que teorias científicas universais
se revelariam como uma espécie de autoritarismo científico, objetivando o poder
como vantagem essencial ao estabelecimento de relações entre forças desiguais,
relações de submissão.
Foucault
passa então a analisar a pertinência do questionamento sobre a natureza do
poder, propondo a correspondência das concepções liberal-jurídica e marxista de poder a uma ideia economicista da
teoria do poder. No direito o poder seria identificado como qualidade inerente
à propriedade, uma operação jurídica de troca contratual, e no marxismo o poder
equivaleria ao domínio dos meios de produção e da força de trabalho como forma
de fazer prevalecer o domínio de classe. No primeiro se encontraria o modelo
formal do poder político, e no segundo sua razão de ser histórica e o princípio
de sua forma concreta e de seu funcionamento.
Embora
reconheça essa funcionalidade econômica do poder, Foucault busca outra
abordagem para além do que chama de economismo, questionando o poder a partir
de como ele é exercido sobre a vida das pessoas, nos corpos. Foucault localiza
na repressão e na disputa de forças (guerra) a essência do poder para além do
economismo. O poder assim considerado seria uma forma de repressão (hipótese de
Reich), de acomodação das disputas sociais (hipótese de Nietzsche).
Debate
em aula:
A
ciência não é neutra e é atravessada por outros interesses, essa é uma
discussão atual.
Quais
são mesmo as relações entre poder e economia? Foucault questiona a lógica de
subordinação das relações de poder aos objetivos econômicos.
Há uma
intencionalidade na prevalência de uma ideia sobre outra? Ou permanecem aquelas
que emplacam? A volta a determinados filósofos não ocorre através de um comando
central, mas através da dinâmica de forças da sociedade que vão operando ao
longo do tempo. Quando fala dos saberes sujeitados, Foucault não aplica o termo
intencionalidade, mas fala em “objetivo”.
As
décadas de 60 e 70 representaram um movimento de questionamento de tudo, de
vários aspectos e de vários modos. Mesmo que rechaçados num primeiro momento,
os conhecimentos produzidos podem depois ser recapturados. Foucault questiona
justamente como o poder opera nessa produção de conhecimento, como essa máquina
de guerra vai questionar e produzir outras ordens. Tem uma certa construção de
valores afirmativos sobre soberania, legitimidade, o contrato social….como é
que monta esse negócio?
O poder
tem a incumbência (legitimidade?) para defender a sociedade?
É
necessário localizar o texto em seu contexto político de produção. Nos anos 60
e 70 o mundo estava dividido pela guerra fria, é sob essa perspectiva que os
questionamentos são feitos.
O texto
é um exercício interessante de problematização. Quando fazemos uma pesquisa,
praticamente já sabemos a resposta. Foucault vai em busca de novos problemas
pensando se os saberes a serem produzidos serão capturados ou não, como
operarão. Foucault pretende produzir novas visibilidades.
O
conhecimento é uma arma para destruir verdades, uma forma de resistência, e que
está intimamente relacionado ao poder. “A política é a guerra continuada por
outros meios”.
Poder
não é só repressão, mas produção. São diferentes linhas de força operando nessa
produção ativa, há invenções também, o poder produz possibilidades e por isso
se sustenta. Há efeitos, apropriações e produções, não há uma ideologia que
cega as pessoas.
Existe
um certo regime de verdade, onde estão inseridos profissionais de saúde e
usuários.
A vida
em produção fabrica corpos, enquanto a medicina estuda regularidades. Pensar em
como a vida está se produzindo para se manter, conforme as ideias de Foucault
nesse texto, talvez seja mais importante do que estudar e buscar as
regularidades.
O poder
do discurso também atua de maneira muito forte, mas não é apenas o saber científico
que orienta as práticas. A explicação geral que reduz tudo é insuficiente para
abrir o combate.
Um
jeito interessante de interrogar é pensar a partir dos efeitos. A construção de
políticas públicas de saúde com a participação da comunidade é uma diretriz do SUS
criada a partir da experiência das lutas da reforma sanitária. Na prática, há
muitas dificuldades nessa participação social. Mas, ao invés de responsabilizar
gestores ou usuários por não colocar em prática de forma adequada o instituto,
seria mais interessante questionarmos os pressupostos do controle social
pensando em seus efeitos. O que isso produz? Faz sentido pensar numa
participação apenas nos grandes espaços mas que não participa da produção
quotidiana da vida?
Os
espaços institucionais acomodam a “oficialidade”, mas não abrigam as disputas
existentes. Como escapar do institucional?
Os
usuários são convidados a participar de reuniões dos profissionais e dos
gestores, mas não são considerados como pessoas com uma vida que se desenvolve
em outros espaços que não sejam os serviços de saúde, produzindo outras
possibilidades. Considerar a vida que acontece para fora dos serviços de saúde
é pensar outras formas de produção de saúde e de vida.
Saúde
se produz como valor. Questionar a saúde não é deixar de se importar com a vida
das pessoas, é pensar em outras possibilidades de produção de saúde.
Esse
texto é um convite ao desconforto, ao questionamento constante, à percepção das
modificações em constante emergência.
Foucault
não acredita em relações que não envolvam a disputa de forças e o poder, o
poder atravessa todas as relações sociais.
Como
produzimos novas verdades a partir das nossas experiências de vida?