sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Participe das Pré-Conferências Municipais de Saúde de São Paulo - Vila Mariana/Jabaquara e Ipiranga, e Centro


Desde o dia 02 de dezembro estão acontecendo na cidade de São Paulo as pré-conferências municipais de saúde, com o tema "A Defesa do SUS e Seus Princípios: Universalidade, Integralidade, Equidade, Descentralização e Participação Social". 

Os encontros, preparatórios para a 19ª Conferência Municipal de Saúde de São Paulo, que ocorre em março de 2018, foram mal divulgados (o Conselho Gestor da minha UBS recebeu a informação apenas esta semana) e marcados numa época com baixa probabilidade de participação da sociedade em função do encerramento do ano, revelando a intenção da gestão da saúde de São Paulo de esvaziar o evento. Daí a importância da nossa participação nas duas pré-conferências que ocorrem no próximo sábado, dia 16/12/17.

Neste momento de mudanças na legislação, que afetam profundamente também as políticas na área da saúde, podendo acarretar uma nova conformação do sistema (alguns especialistas temem até mesmo o risco de fim do SUS enquanto sistema universal, integral, equânime e gratuito de acesso à saúde), é preciso garantir as conquistas pela saúde pública no Brasil e o seu caráter participativo, universal e democrático.

As etapas regionais são importantes, pois é a representatividade local que garante a legitimidade do evento como instância colegiada dos vários segmentos representados. São as conferências de saúde que proporcionaram transformações históricas na gestão da saúde no Brasil. 

As pré-conferências têm por objetivos:

• Mobilizar e estabelecer diálogos com a sociedade em defesa do direito à saúde e do SUS, na elaboração de propostas a serem discutidas na conferência municipal;
• Fortalecer a participação popular e o controle social no SUS, com ampla representação da sociedade;
• Propor diretrizes para a política municipal de saúde e o fortalecimento dos programas e ações de saúde em São Paulo;
• Avaliar a situação do atendimento em saúde na cidade, elaborar propostas a partir das necessidades de saúde e participar da construção das diretrizes do Plano Plurianual (PPA) e do Plano Municipal de Saúde, no contexto do SUS;
• Aprofundar o debate sobre as reformas necessárias à democratização do Estado, em especial as que incidem sobre o setor saúde;
• E eleger/indicar delegada(o)s para participarem da 19ª Conferência Municipal de Saúde de São Paulo.

E quem pode participar das pré-conferências? A comunidade em geral, representantes dos (as) usuários (as), dos (as) trabalhadores (as) de saúde, dos (as) gestores (as) e de prestadores(as) de serviços de saúde. Os (as) candidatos (as) a delegados (as) à 19ª CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO, deverão ter se credenciado até às 11h da manhã no dia da Pré-Conferência, assim como participar efetivamente das discussões, condição determinante para dar legitimidade ao seu pleito (artigo 10 do REGIMENTO/REGULAMENTO DAS PRÉ-CONFERÊNCIAS DA 19ª CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO).
 
Quando e onde? No próximo sábado, 16/12/17, nos seguintes locais:

Vila Mariana/Jabaquara e Ipiranga
8h às 17h
Universidade São Judas Tadeu
Rua Taquari, 546 - Mooca
 
Centro
8h às 17h
Uninove Campus Vergueiro
Rua Vergueiro, 235/249 - Liberdade

Fontes:


Orientações Gerais para as Pré-Conferências
1. De acordo com a Deliberação do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo (CMSSP) em sua 228a Reunião Ordinária, realizada em 19 de outubro de 2017 e conforme Portaria SMS-G no 909/2017, publicada no Diário Oficial da Cidade, em 11/11/2017, a 19a Conferência Municipal de Saúde deverá ocorrer em março de 2018 e será precedida por Pré-Conferências a serem realizadas entre 11/11 e 16/12 de 2017.
2. Recomenda-se atenção especial de todas as Comissões Organizadoras das Pré-Conferências para a iminente aprovação, pela Câmara Municipal, dos Projetos de Lei que tratam do PlanoPlurianual 2018-2021 e da Lei Orçamentária para 2018, e para a importância da mobilização dos participantes das Pré-Conferências e da sociedade em geral, para que a Câmara incorpore algumas propostas prioritárias aprovadas nas Pré-Conferências, por meio de emendas do Legislativo Municipal.
3. O documento norteador apresenta resumidamente uma análise de questões a serem consideradas pelos participantes das Pré-Conferências, e apresenta um conjunto de “perguntas orientadoras” para os debates em Grupos. Algumas perguntas visam a provocar reflexões mais gerais sobre a conjuntura atual da saúde no país e em especial na megacidade paulistana e dos desafios colocados para a defesa do Sistema Único de Saúde - SUS público, universal e de qualidade, que atenda às necessidades da população. Recomenda-se que os coordenadores dos diferentes grupos, a serem escolhidos pelo próprio grupo, e também os relatores, lembrem a todo instante e busquem estimular que os grupos debatam as “perguntas” procurando sempre produzirem propostas a serem depois aprovadas em plenária.
4. Para tanto, recomenda-se que todas as Comissões Organizadoras levantem e disponibilizem para os grupos algumas informações básicas como subsídios: a) as propostas contidas no PlanoMunicipal de Saúde 2014-2017 que interessam à sua região; b) o que consta no Relatório Anual deGestão – RAG de 2016, o que foi realizado, parcialmente realizado ou não realizado; c) as propostas contidas no Plano de Metas 2017-2020 que interessam à região; e d) as propostas contidas no Projeto de Plano Plurianual, ora em tramitação na Câmara Municipal.
5. Estas informações permitem o cotejamento com os problemas e necessidades fundamentais de cada região, e devem orientar a produção de propostas efetivas que deverão posteriormente ser consolidadas para debate e aprovação pela Conferência Municipal, constituindo-se assim as diretrizes gerais para a finalização do Plano Municipal de Saúde 2018-2021, atualmente em fase de finalização pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP).
6. Assim, antes mesmo da Conferência Municipal, a ser realizada até a primeira quinzena de março de 2018, o Conselho Municipal disporá dos subsídios produzidos em cada região para debater a proposta de Plano Municipal que deverá ser apresentada pela SMS-SP. 

A DEFESA DO SUS E DE SEUS PRINCÍPIOS
O município de São Paulo (MSP) acumula contradições na área da saúde não apenas ao longo de seu processo histórico, marcado por projetos sucessivamente construídos, e demolidos sempre às trocas de Gestão; como também, relevantemente, impostas pela soma de três vetores aplicados contra o fortalecimento de nosso Sistema de Saúde Público e Universal:
1) O desmonte da Seguridade Social e das diretrizes que alimentaram a Reforma Sanitária como parte do Projeto Civilizatório brasileiro, posto como agenda pelo Governo Federal desde 2016;
2) A fragilidade, quando não omissão, do Governo Estadual em produzir uma política e uma gestão sanitárias para aprimoramento do Sistema; e
3) A ausência de consequência política para condução das transformações necessárias por parte do Governo Municipal.
4) A instável e reduzida participação federal e, principalmente estadual, no processo de financiamento municipal do SUS.
Assim, uma Conferência Municipal de Saúde de 2018 deverá assumir a responsabilidade histórica de, em reconhecendo que ‘há valores que não se podem perder’, como afirmou Sérgio Arouca, sobretudo diante de um cenário tão desfavorável, avançar com propostas que produzam uma nova linguagem para comunicar os fenômenos sanitários que ocorrem no território e uma agenda positiva para produção do Sistema de Saúde que se quer.
EIXO I – UNIVERSALIDADE DO SISTEMA
O Princípio Constitucional da Universalidade do Sistema foi escolha política resultante do acúmulo de lutas do movimento sanitário desde os anos 60. O conceito de ‘universalidade’ foi inspirado no modelo de Bem-Estar Social dos Estados Nacionais europeus, a Universalidade traduz-se em dois elementos caros ao nosso Sistema de Saúde:
1) A possibilidade de acesso a todas as brasileiras e a todos os brasileiros, independentemente de sua etnia, orientação sexual, identidade de gênero e classe social, ao cuidado;
2) A democratização de recursos e, por isto mesmo, de processos, como forma de se produzir e manter este Sistema.
Esta escolha política, no entanto, não fora acompanhada, ao longo da década de 90 (os anos de consolidação da regulamentação da Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS) e, por isso, de consolidação do próprio Sistema) de projeto para financiamento do SUS que o sustentasse, de fato, o princípio da ‘universalidade’. Os fatores que contribuem para corromper a ‘Universalidade’ são:
1) A possibilidade de competição entre o provimento privado e o público;
2) A crescente isenção de impostos dos privados e anistia de dívidas do setor suplementar e 

3) A entrega persistente dos cargos de gestão às indicações de confiança e não aos quadros técnicos.
Outro elemento complicador para a defesa da Universalidade foi a assinatura, em 2014, pelo Estado Brasileiro, da Estratégia para Cobertura Universal em Saúde (CUS) (Universal Health Coverage) proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A avaliação de que esta poderia representar um salto organizativo para o Sistema, revelou-se, contudo, em ameaça ao fortalecimento do SUS e promotora da segmentação de acesso ao cuidado em Saúde, episódio a que assistimos na atualidade. Estas contradições necessitam ser profundamente abordadas durante a Conferência Municipal de Saúde, com a serenidade que merecem.
A estratégia de Gestão para o alcance da Cobertura Universal em Saúde é permitir aos Estados que ofertem acesso ao cuidado, frequentemente interpretado apenas como assistência, seja em serviços públicos ou privados, sem qualquer crítica às formas de regulação para este provimento. Para países centrais ao capital, como Holanda, Canadá e Inglaterra (em ordem decrescente de emprego de provimento privado) a oferta de acesso, por meio de CUS, possui significado concreto plenamente diverso daquele aos países periféricos.
Para estes países, o modelo privado sujeitou-se historicamente a uma forte regulação estatal, fenômeno denominado pela literatura sanitária internacional como socialização da medicina. A autonomia dos serviços privados, portanto, para produzirem políticas de saúde, interferirem na Gestão Pública e determinarem sua organicidade nas Redes destes países é extremamente limitada e obedece, satisfatoriamente, a interesses públicos.
Para o Brasil, contudo, a liberalização (e emprego o termo propositadamente) do provimento privado de saúde, a parca regulação do setor pelo Estado, as diversas portas de entrada para o Sistema, fazem com que a CUS seja fator desordenador do SUS, aumente a retirada de financiamento por parte do privado e crie diversos subsistemas, fraturando tanto o provimento, quanto o acesso. Obviamente, este caos sanitário interessa às empresas de saúde que lucram com a captação de clientela.
Outro elemento crítico, sobretudo em se tratando de uma Conferência que irá incidir a política municipal de saúde, é significar o papel da Atenção Primária neste cenário.
A Atenção Primária à Saúde (APS), nominada no País como Atenção Básica, deve figurar como a única Porta de Entrada das cidadãs e dos cidadãos ao SUS. Para tanto, há atributos fundamentais a serem assegurados e providos pela Gestão Municipal, a fim de que a APS funcione, de fato, em toda sua potência:
1) O acesso deve ser facilitado e orientado para acolher necessidades em saúde no momento de sua apresentação;
2) As Unidades Básicas de Saúde (UBS) devem coordenar o cuidado de Saúde das pessoas; 
3) O cuidado ofertado deve ser potentemente abrangente; e
4) As pessoas devem ter direito a serem cuidadas longitudinalmente pelos mesmos profissionais.
É perverso observar que os Gestores não vêm investindo no fortalecimento da APS e dos seus atributos, porém, o Privado Suplementar tem optado por oferecer estes serviços, de forma sistemática e organizada. O objetivo do Privado, , não se pode negar, é reduzir custos com seus planos de saúde, empregando profissionais (como médicas e médicos de família, enfermeiras e enfermeiros de família, profissionais de nível médio) e processos de trabalho para produzir o que a literatura descreve como um cuidado altamente administrado para, no limite, negar acesso a rotinas e intervenções onerosas.
Assim, o Eixo I deve contemplar os seguintes debates:
1) Quais propostas do grupo em vistas à Universalidade do SUS - porta de entrada, carência de equipamentos e serviços da Atenção Básica, integração com a Rede ambulatorial especializada e hospitalar; avaliação do Plano Municipal de Saúde?
2) Na realidade atual do município, onde 45% da população tem plano ou seguro-saúde, o que o SUS poderia/deveria fazer em relação aos serviços privados? Ex: ressarcimento ao SUS, altas taxas de cesáreas nos hospitais privados, sífilis congênita nos hospitais privados, etc?
3) Quais as propostas do grupo em relação às OSS (prós e contras)?
EIXO II- INTEGRALIDADE E EQUIDADE
Sendo a Saúde um direito humano fundamental, a ser assegurado a toda brasileira e a todo brasileiro pelos princípios da Universalidade; Integralidade e Equidade dão profunda dimensão civilizatória a este direito, isto é, nossa Carta Magna não apenas determinou que a saúde esteja ao alcance de todos, como também seja produzida da forma mais abrangente possível, não negligenciando nenhuma dimensão da vida humana, e que esteja sempre a serviço de quem mais necessita, sobretudo em uma sociedade marcada por tantas e tamanhas contradições, desigualdades e injustiças.
Assim, torna-se fraudulento qualquer debate a respeito de promoção de saúde para a comunidade humana que não questione:
  • Por que as pessoas adoecem?
  • Há pessoas com mais risco de adoecer do que outras? 
     Pessoas que adoecem de formas diversas e por motivos diversos devem estar submetidas às mesmas estratégias de cuidado?
Frequentemente, nos acomodamos convenientemente na compreensão de cuidado em saúde como acesso a serviços e intervenções, ou, simplesmente, como prevenir agravos e promover condições saudáveis de vida, acabando por nos furtarmos do debate essencial: ‘não é possível produzir saúde sem justiça social’.
O retrato da desigualdade brasileira é doloroso e traz em si as marcas e agressões que podemos observar nos rostos da população mais vulnerável de nosso país, inclusive aquela do MSP. A organização internacional Oxfam, em setembro de 2017, publicou um extenso estudo das contradições sociais brasileiras, nominado “a distância que no une”. Os dados coletados foram obtidos de disponibilizações feitas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD e pela Secretaria da Receita Federal, permitindo excelente avaliação da distribuição de renda e do acesso a serviços e políticas públicas pelo país.
Disparidades preocupantes ainda persistem. Apesar de melhora na diferença de rendimentos entre homens e mulheres, por exemplo, nas últimas décadas, sobretudo pelo maior ingresso destas no mercado de trabalho, a renda média do homem brasileiro persiste 38% superior a da mulher, sendo que a referida Organização projeta equiparação de ganhos apenas para 2047. Considerando os estratos mais ricos da população, para cada mulher recebendo 10 salários mínimos (sm) há, proporcionalmente 2 (dois) homens na mesma situação. Este cenário tonar-se ainda mais delicado ao se recordar que fenômenos como a dupla jornada de trabalho (em média, a mulher trabalha 7,5 horas a mais por semana do que o homem, em estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA no primeiro semestre de 2017) e a precarização dos vínculos formais de trabalho se mantém e fragilizam, sobretudo, a vida da trabalhadora.
Produzindo necessário recorte racial para compreender a desigualdade no acesso à renda, é possível verificar que 67% dos negros brasileiros recebem até 1,5 salário mínimo, não chegando a 20% a mesma população que obtém mais de 2 (dois) sm. Para cada negro com rendimentos acima de 10 salários mínimos (sm) há, proporcionalmente, 4 (quatro) brancos nesta condição. Recordando tratar-se de população historicamente marginalizada do processo civilizatório brasileiro, frequentemente periferizada, pode-se inferir a gravidade da sua situação ao nos depararmos com o fato de que a cobertura de fornecimento de água, própria para consumo, abrange apenas 62% daqueles que compõem 5% da população mais pobre, enquanto a oferta de rede de coleta de esgoto abrange apenas vergonhosos 25% da mesma população. Desassistidos por políticas públicas fundamentais para manutenção da dignidade da vida humana, não é de se estranhar o motivo de serem alvo frequente de ações de higienização social e eliminação, tornando-se vítimas, por eleição, da violência urbana, até mesmo institucionalizada.
Para estes segmentos da população brasileira é necessário sublinhar o registro do relatório:
“mulheres e negros são os maiores usuários do sistema público de saúde. Os acessos de mulheres a hospitais, postos de saúde e de vacinação, entre outros serviços públicos, giram em torno de 60% a mais do que os de homens, chegando esse percentual a 84% no Distrito Federal. Cerca de 75% das pessoas que se declaram negras usam serviços públicos de saúde, em comparação com uma proporção de 50% de pessoas brancas”. Assim, defender um Sistema Universal, Integral e Equitativo será sempre defender quem, ao longo do processo histórico, foi agredido e negligenciado.
Evidentemente, há outras comunidades e populações minoritárias em São Paulo que necessitam de atenção para que a política pública de saúde seja efetivada satisfatoriamente. A População de lésbicas, gays, transexuais e transgêneros - LGBTT é objeto persistente de reducionismo de suas pautas e necessidades em saúde, centralizadas por diversos Gestores e políticas públicas na prevenção de contaminação e transmissibilidade do human Immunodeficiency virus - HIV. É recentíssima a conquista do emprego do ‘nome social’ para transgêneros e transexuais, como também a ampliação do debate e da oferta de terapia de substituição hormonal. No entanto, o debate de acolhimento por e facilitação de acesso desta população aos Serviços de Saúde continua deficitário. As críticas e acúmulos a respeito dos exames de rastreamento pertinentes a serem ofertados, sobretudo à população transgênero e transexual, também são insuficientes para o enfrentamento desta questão.
Acessibilidade e inclusão devem, vigorosamente, ingressar como pauta das Redes de Atenção à Saúde no MSP. Possuímos um mobiliário urbano, bem como instalações de Serviços de Saúde e, até mesmo, recurso humano extremamente deficitário no acolhimento e no cuidado com as e os portadores de deficiência física. Limitações ou inadequações de espaços para trânsito de cadeiras de rodas, orientações e disposições de espaços adequadas para pessoas com restrições de visão, ausência frequente de intérpretes para linguagem de sinais e dificuldade em acessar pessoas durante consultas e procedimentos devem ser fortemente questionadas.
Recortando particularmente para o universo do cuidado em saúde, um drama frequentemente experimentado pela população no contato com os serviços, sobretudo os serviços de Atenção Primária à Saúde, é a baixa oferta de intervenções e rotinas de procedimentos que, a seu tempo, também determinam impacto negativo na integralidade do Nível de Atenção e do Sistema. Unidades Básicas de Saúde que não realizam inserção de Dispositivo Intra-Uterino; ou limpeza de conduto auditivo; ou que não produzem pequenos procedimentos ambulatoriais, como cantotomia (retirada de unha encravada), ou retirada de nevos (sinais de pele) não podem ser considerados efetivos equipamentos de APS.
Assim, o Eixo II deve contemplar os seguintes debates:
  1. 1)  Como a SMS e a política municipal de saúde podem conjugar investimento urbano para produzir uma cidade mais saudável? Cite propostas.
  2. 2)  Quais as propostas do grupo, tendo em vista a Integralidade e a Equidade?
EIXO III- DESCENTRALIZAÇÃO, RECURSOS HUMANOS E EDUCAÇÃO PERMANENTE
A consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) depende da superação de diversos desafios. Um deles - provavelmente o principal - é a gestão do trabalho e a educação na saúde, uma vez que a potência do sistema está justamente em seus trabalhadores, que somam mais de 2 milhões e 300 mil em todo país (dados do Ministério da Saúde).
O “exército do SUS”, como usualmente é chamado a força de trabalho do SUS é constituído por homens e mulheres que se esforçam, estudam e trabalham para promover o cuidado e a atenção à saúde dos cidadãos brasileiros. Portanto, o maior desafio deste tema é a valorização desses profissionais por meio da melhoria de suas condições de trabalho, remuneração e relações trabalhistas.
Neste sentido, foram elencadas algumas propostas para serem debatidas nas pré-conferências:
  1. Revisão e atualização das TLPs (Tabela de Lotação de Pessoal) dos Serviços de Saúde, adequando-as às necessidades da rede;
  2. Estabelecer indicadores de qualidade, acompanhamento, e produção da Atenção Primária que tenham respaldo na literatura científica e que sejam pactuados com trabalhadores e usuários.
  3. Implantar e implementar uma política de humanização das condições de trabalho e atenção ao usuário em conformidade com as premissas da saúde com qualidade de vida, envolvendo profissionais, usuários e gestores;
  4. Ampliar e implantar polos de educação permanente em saúde em todos os territórios do município, com objetivo de discutir as necessidades de saúde da população e aos princípios e diretrizes do SUS, com garantia de trabalhadores em quantidade suficiente e recursos, físicos e financeiros;
  5. Garantir formação dos profissionais em temas voltados para populações vulneráveis, como população LGBT, população negra, indígena, mulheres, pessoa com deficiência, imigrantes e idosos;
  6. Campanha dirigida aos trabalhadores da saúde, independentemente do vínculo empregatício, esclarecendo seus direitos e deveres, para estimular o respeito mútuo e a redução de violência nas relações de trabalho;
  1. Formalizar e fortalecer a integração dos programas de residência médica, residência, residência multiprofissional e cursos de graduação das instituições de ensino superior com a rede municipal da saúde por meio do reconhecimento e valorização das atividades de preceptoria;
  2. Oferecer apoio para expansão de programas de residência médica e multiprofissional, criando estratégias para reduzir o número de vagas não preenchidas em Medicina de Família e Comunidade que utilizam a rede municipal como cenário de prática;
  3. Estabelecer como política do SUS a profissionalização técnica, na qual as Escolas Técnicas de Saúde cumpram o papel fundamental de escolarização, qualificação, habilitação profissional e educação permanente para agentes, auxiliares e técnicos dos mais diversos setores da saúde;
  4. Garantir a efetivação de programa de profissionalização do Auxiliar de Enfermagem que trabalha na rede SUS para Técnico de Enfermagem, viabilizando a transformação de seu cargo após a formação;
  5. Criar e implementar uma política integrada e humanizada de promoção, prevenção, atenção e reabilitação da saúde dos trabalhadores da saúde, garantindo-lhes o direito a um ambiente de trabalho saudável;
  6. Estabelecer processos formativos (Educação Permanente) para usuários, trabalhadores e gestores, para melhor qualifica-los para exercer o Controle Social.
Assim, o Eixo III deve contemplar os seguintes debates:
1. Que outras propostas foram discutidas e aprovadas pelo Grupo?
2. Como os trabalhadores da administração direta, indireta e os contratados pelas Organizações Sociais podem participar do controle social e contribuir para uma melhor transparência e democratização nas relações de trabalho e nas decisões junto aos gestores e administradores da saúde?
EIXO IV - FINANCIAMENTO DO SISTEMA E FUNDO MUNICIPAL DE SAÚDE
A Emenda Constitucional (EC) 86/2015 e a EC 95/2016 introduziram dispositivos na Constituição Federal com efeitos negativos para o planejamento e execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde, agravando o processo de subfinanciamento do SUS: a primeira estabeleceu a execução orçamentária obrigatória das emendas parlamentares individuais em 0,6% da Receita Corrente Líquida; e a segunda retirará recursos de dotações orçamentárias destinadas às despesas sociais a partir de 2017, incluindo da seguridade social, e do SUS a partir de 2018 (e até 2036), por meio de uma regra que estabelece um “teto” (limite máximo) anual de despesas calculado pela variação anual da inflação (medida pelo IPCA/IBGE) – o que implicará na redução dessas despesas em termos per capita como decorrência do crescimento populacional no mesmo período.
A principal motivação para a promulgação da EC 95/2016 – cuja proposta de emenda constitucional (PEC) foi encaminhada pelo governo federal ao Congresso Nacional em meados de junho/2016 e tramitou na Câmara dos Deputados como PEC 241 e no Senado como PEC 55 – foi a necessidade de reduzir o déficit primário (diferença negativa entre as receitas primárias e as despesas primárias) por meio de um ajuste fiscal concentrado na redução das despesas primárias nos próximos 20 anos e sem medidas para aumentar a receita como a revisão tanto da regressividade tributária, como da renúncia fiscal. O objetivo último desta medida é gerar superávit primário para financiar as despesas financeiras que, diferentemente das primárias, não terão nenhuma limitação até 2036 e, também, não serão auditadas. (FUNCIA, Francisco R. Subfinanciamento e Orçamento Federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recursos. Texto apresentado no Seminário “Saúde sem dívida e sem mercado”, na mesa “Correlação de forças e o SUS sem dívida e sem mercado”, realizada em 28 de junho de 2017, na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), no Rio de Janeiro, coordenada pela Dra. Leticia Krauss (Ensp/Fiocruz), do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz. Disponível em http://www.cee.fiocruz.br/sites/default/files/Artigo_Funcia.pdf).
Considerando este contexto, agravado pela recessão econômica que impacta negativamente a arrecadação pública, bem como o fato que 2/3 das despesas do Ministério da Saúde são destinadas às transferências fundo a fundo para Estados, Distrito Federal e Municípios, a queda do financiamento federal do SUS prejudicará decisivamente a realização das ações e serviços de saúde nos Municípios se estes, assim como os Estados, não alocarem recursos adicionais.
Nessa perspectiva, é fundamental a adesão da sociedade ao abaixo assinado “O SUS não pode morrer! Assine contra a redução de investimentos em saúde” (disponível on line em http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR102140), organizado pela Frente em Defesa do SUS e pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), em apoio à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.658 (em tramitação no Supremo Tribunal Federal) com o objetivo de suspender os dispositivos da EC 95/2016 que reduzem os recursos para o financiamento do SUS. Vale lembrar que a cautelar do Ministro Lewandwoski na ADI 5595, em processo de votação no plenário do STF, também será importante para que a tese que impede a redução de recursos para o financiamento do SUS prevaleça sobre as medidas de ajuste fiscal que promovem a retirada de direitos fundamentais à vida.
O cenário que nos aguarda para o próximo período é o de desfinanciamento agudizando o subfinanciamento crônico do Sistema de Saúde. Já em 2017 efeitos deletérios do comprometimento do Estado Brasileiro, exclusivamente com as despesas financeiras (isto é, recurso público investido a favor da dívida e do juro da dívida brasileiros) fizeram-se sentir: estudo elaborado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC aponta crescimento da fatia do orçamento comprometida com este tipo de exercício de 45% para 53%, quase totalizando R$2 trilhões, enquanto que o orçamento destinado a financiar políticas e direitos sociais sofreu redução de 55% para 47%, mesmo com aumento de arrecadação.
É oportuno recordar a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP) optou por emergir do primeiro semestre de 2017 reduzindo o valor orçado por ação de diversas unidades orçamentárias, como por exemplo, construção e reformas para instalação de UPA (redução autorizada de 88,59%) e de operação e manutenção para atendimento ambulatorial básico, de especialidades e de SADT (redução autorizada de 99,97%) e contingenciando investimentos, como congelamento da operação e manutenção de Unidades de Saúde (autorizado de 23,96%) e de ‘construção, ampliação e reforma’ de estabelecimentos de saúde (autorizado de 33,52%), isto é, revelando a adoção de um sitiamento fiscal para ampliação da Rede de Atenção à Saúde, podendo deixar o MSP sucateado para o próximo período de ‘vacas magras’.
Não se deve ignorar, igualmente, que o provimento de APS pode sofrer duro impacto deste cerceamento fiscal. A Nova Política de Atenção Básica, promulgada sob a forma da Portaria no 2.436, em 21 de setembro de 2017, em seu 6o capítulo – “do financiamento das ações de atenção básica” – é extremamente reticente, o que nos permite acusá-la de imprevidente, com a destinação de recursos para a Estratégia prioritária e com maior acúmulo de evidências científicas de que tenha produzido uma Atenção Primária verdadeiramente custo-efetiva: a Estratégia de Saúde da Família (ESF). Segundo esta Portaria, a qual relativiza o provimento de cuidado pela APS entre o modelo tradicional e a ESF, “os valores dos incentivos financeiros para as equipes de Saúde da Família implantadas serão prioritário e superior (ao de outros modelos de provimento), transferidos a cada mês (...). O valor do repasse (...) será publicado em portaria específica”. Isto é, permanece o indicativo de que a ESF seja prioritária, mas ainda com financiamento não normatizado.
É oportuno relacionar esta nova PNAB com a proposta da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), materializada na Portaria GM N. 1.091, de 27/04/2017, que visa a extinção dos seis blocos de financiamento para as transferências fundo a fundo – Atenção Básica, Média e Alta Complexidade, Assistência Farmacêutica, Vigilância em Saúde, Gestão do SUS e Investimento – e substituir por apenas duas categorias de repasses – custeio e capital: considerando o cenário descrito anteriormente, qualquer flexibilização na forma de repasse representa uma grave ameaça ao financiamento da Atenção Básica e, consequentemente, inviabiliza a mudança do modelo de atenção à saúde que tenha na atenção básica a ordenadora da rede de serviços. Essa proposta apresentada na CIT em janeiro/2017 ainda não foi formalmente submetida à deliberação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para entrar em vigor, conforme estabelece a Lei Complementar no 141/2012. Sobre isto, inclusive, o CNS aprovou a Recomendação 006, de 10/03/2017 (disponível em http://www.conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2017/Reco006.pdf), propondo um processo de transição com ações a serem desenvolvidas para ampliar o debate em torno desse tema, uma delas, adotar somente seis contas bancárias (uma para cada bloco) para essas transferências fundo a fundo em substituição ao que é realizado atualmente, entre outras.
Assim, o Eixo IV deve contemplar os seguintes debates:
1) Como produzir efetivo controle sobre o orçamento da gestão e comprometê-lo com
ampliação da Rede de Atenção à Saúde?
2) Como exigir da gestão precaução e comprometimento com financiamento e manutenção de direitos fundamentais e políticas sociais, inclusive para o efetivo exercício do papel do Conselho Municipal de Saúde e dos Conselhos Gestores de Saúde nos aspectos econômicos e financeiros como preconiza a Lei 8142/90 ?
3) Como o Controle Social pode, de fato, compreender melhor e exercer efetivo controle sobre o financiamento?
EIXO V- PARTICIPAÇÃO SOCIAL
O SUS, acúmulo de lutas amplas dos setores sociais, que incluíram desde os movimentos populares até as instituições acadêmicas e a intelectualidade sanitária, jamais poderá ser descolado de seu caráter profundamente democrático e popular. Isto, para além da promulgação da Lei no 8.142 de 1990, que dispõe a respeito da participação comunitária na gestão do Sistema, deve provocar em todas e em todos a mobilização por defesa e contínua melhoria do maior patrimônio sanitário brasileiro.
Cada vez mais os Sistemas Nacionais de Saúde e os próprios atores políticos vêm indicando a necessidade de fazermos a transição do modelo de oferta e elaboração de políticas de saúde de uma perspectiva centrada ou na incorporação de tecnologias, ou no enfrentamento vertical e programático de doenças, para o modelo de Sistemas Centrados em Pessoas. No cenário internacional isto significa um avanço no cuidado de cada ser humano e no atendimento a suas necessidades, porém ainda necessita de um salto de qualidade.
São fartas as evidências científicas que revelam o desperdício, ou mau emprego de investimento público, quando o Estado e os Gestores fixam-se em ou incorporar inescrupulosamente tecnologias e intervenções em saúde, ou utilizar seu protagonismo político para elaborar programas verticais de combate a doenças específicas. No primeiro caso, a produção tecnológica no mundo globalizado e capitalizado é intensa, o que não concede à ciência tempo necessário para a devida investigação, buscando atestar a eficácia e a segurança de diversos recursos lançados ao mercado. Exemplo nacional recente do fato foi à tentativa do emprego da Fosfoetanolamina como fármaco para tratamento de neoplasias. Da mesa forma, a segunda alternativa é extremamente iníqua, porque segmenta a população entre as que são e os que são elegíveis para ser incluídos nos programas de atenção e cuidado, como, por exemplo, os grupos de hipertensos e diabéticos, negligenciando diversos outros problemas de saúde, por vezes mais delicados.
A perspectiva de elaborar um Sistema e Políticas centrados em pessoas é, justamente, reconhecer a particularidade das experiências de adoecimento, de doenças e para, além disto, de produção de vida e formas de cuidado. É necessário observar que centrar Sistemas e Políticas em pessoas não significa submeter o interesse coletivo aos anseios individuais, fortalecendo relação utilitarista e comercial com o SUS. Antes, significa reconhecer a singularidade das necessidades e o protagonismo das comunidades e dos indivíduos que as compõem para construir e produzir políticas de cuidado. O objetivo é vencer o isolamento institucional para alcançar a efetiva democratização dos processos do Sistema.
Assim, o Eixo V deve contemplar os seguintes debates:
1) Como tornar os Conselhos e os Espaços de Deliberação mais participativos e resolutivos?

2) Como tem sido o diálogo entre os Movimentos Populares e as Representações em todo o território? Quais são as propostas do grupo para: Ouvidoria, orçamento dos conselhos gestores das STS, deliberações e resoluções dos conselhos gestores?

 

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Usuários do Centro de Saúde Escola Geraldo Paula Souza pressionam a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo

Usuários do Centro de Saúde Escola GPS da USP pressionam a Secretaria Municipal de São Paulo para renovação do convênio entre a SMS-SP, a USP e o CEAP

Por Eveline S. Araujo*


“Se você paga, não deveria, saúde não é mercadoria”, com esse slogan ocorreu a primeira de uma série de manifestações públicas previstas dos usuários e trabalhadores do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza (CSEGPS-USP) que há 92 anos presta Atenção Básica na Saúde, na capital paulista. A manifestação ocorreu na manhã do dia 30 de outubro, e utilizou como estratégia vários bloqueios temporários do trânsito da Av. Dr. Arnaldo e da Av Teodoro Sampaio para alertar a população sobre descaso com a saúde na atual gestão da prefeitura, sobre as expectativas do Governo do Estado em congelar investimentos e também do Governo Federal que investe cada vez menos em Saúde e favorece a iniciativa privada.






Os usuários pedem assinatura imediata da renovação do convênio por parte da Prefeitura e um compromisso de continuidade de investimentos por parte do Governo de Estado, como argumentado na mesa de debate “Querem fechar o Centro de Saúde da minha Escola”, promovido pelo Centro Acadêmico Emílio Ribas ao final do dia no Auditório da Faculdade de Saúde Pública-USP (FSP-USP). O movimento conta com o apoio dos trabalhadores, dos conselheiros de saúde da regional Lapa-Pinheiros e dos alunos da FSP-USP.



Diante das inúmeras tratativas sem sucesso, os usuários e conselheiros acionaram o Ministério Público para acompanhar as negociações. A discussão gira atualmente em torno de que as características genuínas do CSEGPS ser um espaço onde ocorre a prestação de serviço em saúde aliado à pesquisa científica e à educação profissional para o SUS, portanto não obedece a mesma métrica produtiva das UBS tradicionais, pois comporta outras funções como tutoria, estágios e pesquisa de ponta, que é a parte oferecida pela USP no acordo. Sendo a contratação dos funcionários mantidos pela Prefeitura mediada pelo CEAP.

A opção dos últimos anos em nível Federal por um Estado mínimo não contempla o que consta na Constituição Federal de 1988, que com muita luta e mobilização nacional conseguiu implantar o SUS com os princípios de universalidade, equidade e integralidade. O SUS foi projetado para atender a todos os cidadãos, de qualquer classe social, entretanto muitos só lembram do SUS nas campanhas de vacinação, quando precisam de medicamentos caros, por ocasião de transplantes de órgãos ou quando percebem a deficiência de seus planos de saúde. O SUS tem um conceito e uma prática bem maior do que isso, que vale tratar mais aprofundadamente em outros artigos. Entretanto, há uma grande parte da população de idosos e trabalhadores, que foram esmagados pela reforma da previdência e trabalhista que formam um contingente imediato de pessoas que voltam a depender do bom funcionamento do SUS para sobrevivência e manutenção da dignidade humana.

A tentativa bastante questionável de uberização da saúde com a oferta de serviços “acessíveis,” mas sem compromentimento com o usuário, que estão sendo ofertadas por algumas empresas têm por trás todo um sistema de beneficiamento político e econômico para acelerar o desmonte do SUS. As perguntas que ficam são: será que as Políticas Públicas de Saúde como o Programa Saúde da Família, o Programa Mãe Paulistana, os programas de combate a AIDS e tantos outros irão continuar a existir com esse desmonte? E com qual estrutura irão manter essas ações? E o dever do Estado como fica? E o principal, o projeto de nação desse país, com esses desmontes como fica?

A atual gestão da Prefeitura Municipal de Saúde pretende fechar ainda mais 50 UBS e acabar com todas AMAs, isso dito em audiência pública, confirmando a estratégia de acabar com o serviço público e depois passar para mão da iniciativa privada, que já é beneficiada pelas Organizações Sociais de Saúde que contaminaram o sistema público de saúde. Tudo isso tem uma relação muito danosa para a população a médio e longo prazo. A preocupação maior é onde a população será tratada? Já se paga imposto para a saúde e ainda terá que pagar para ser consultado? Essa dupla cobrança não faz sentido, por isso o slogam deve ser levado a sério. Saúde não é mercadoria. Vivemos em uma falsa democracia onde o executivo compra o legislativo e faz o que bem entende, a quem pensam enganar?

Os usuários, trabalhadores e alunos da USP irão manter a mobilização e irão apoiar outros movimentos que já ocorrem em vários pontos da cidade como no Butantã, Pompéia, formando redes de solidariedade como num retorno aos anos 70/80, lutando por melhores condições de vida e por um Estado de Bem Estar Social que minimize as desigualdades sociais, decorrentes da falta de escrúpulo de políticos e empresários que permanecem com um pensamento neoliberal inconsequente. A ideia é somar força com outras mobilizações na cidade, no Estado e no Brasil para defender de maneira mais ampla o sistema de saúde como um todo.

Quem quiser poderá acompanhar as ações por facebook, youtube e vários outros canais ou participar diretamente das reuniões nas quartas-feiras, sempre às 9 h 30 min da manhã no CSEGPS-USP.

* Jornalista, Me. em Antropologia Social e Doutora em Saúde Pública

Pessoas para contato: Agueda Brazzolotto - Usuária e conselheira no Conselho Municipal de Saúde da Zona Oeste; Teresa Lima - Usuária e ex- funcionária do CSEGPS; Rodolfo Neder - Usuário e vice-presidente da Assosiação de Usuários do CSEGPS. 


Locais para acompanhar a mobilização:  
https://www.facebook.com/usuariousosus/ 
https://www.youtube.com/watch?v=HR_V60GoG-U 
https://www.facebook.com/csefsp.usp.3 
https://www.youtube.com/channel/UCthnvjlkPqWzvmSPj__xziw/videos

Depoimento da Sra. Antonia, usuária do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza 


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Videconferências CONITEC - Perspectivas e inovações no desenvolvimento de diretrizes

Caros amigos e caras amigas da rede.
 
Logo mais, na parte da tarde, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS promove mais um debate interessante no programa "CONITEC em evidência" (texto abaixo), desta vez falando sobre diretrizes clínicas, que são uma espécie de orientação fundamentada para o tratamento e cuidado terapêutico das mais variadas condições de saúde. 
 
Embora o programa se direcione mais para gestores e trabalhadores, nós usuários do SUS também podemos assistir e participar fazendo perguntas, e entender melhor como essas diretrizes são desenvolvidas e de que forma podemos constribuir para a construção dessas orientações para o nosso próprio cuidado, ou seja, de que forma podemos participar da construção da política pública de saúde.

E por falar em diretrizes, nos Cadernos da Atenção Básica do Ministério da Saúde (acessíveis através deste link: http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php) encontramos inúmeras delas já em aplicação no Sistema Único de Saúde. No caderno 35 encontramos as diretrizes relacionadas às estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica, e no caderno 36 para pessoas com diabetes mellitus. Recentemente a CONITEC debateu uma nova proposta de diretriz para o tratamento de pessoas com diabetes tipo 1 com indicação de uso de análogos de insulina de ação rápida (acesse o relatório de recomendação do PCDT de diabetes tipo 1: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2017/Relatorio_PCDT_Diabetes_tipo_1__CP__2017_1.pdf).

Como é explicado no relatório acima mencionado, "Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são documentos que visam a garantir o melhor cuidado de saúde possível diante do contexto brasileiro e dos recursos disponíveis no Sistema Único de Saúde. Podem ser utilizados como material educativo dirigido a profissionais de saúde, como auxílio administrativo aos gestores, como parâmetro de boas práticas assistenciais e como documento de garantia de direitos aos usuários do SUS".
 
Que tal então entender um pouco mais sobre as diretrizes clínicas baseadas em evidências? Acompanhe o programa da CONITEC!
 
 



Hoje, dia 06/11, das 16h às 17h, acontece a 16ª videoconferência do programa CONITEC em Evidência de 2017. O tema “Perspectivas e inovações no desenvolvimento de diretrizes” será apresentado por Maicon Falavigna, médico pesquisador do Hospital Moinhos de Vento e do Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde (IATS).

Segundo a Organização Mundial de Saúde, diretrizes clínicas são documentos contendo recomendações sobre intervenções em saúde, sejam essas clínicas, de saúde pública ou de política de saúde. As diretrizes clínicas baseadas em evidências científicas são construídas por meio de uma revisão minuciosa da literatura e da avaliação de benefícios e danos de diferentes opções na atenção à saúde.

A utilização dessas diretrizes, além de facilitar o acesso à informação de melhor qualidade sobre uma doença ou agravo, fornece subsídios à tomada de decisão, tanto para o profissional de saúde quanto para o gestor, sendo, portanto, elemento importante para qualificar a assistência prestada e padronizar condutas frente a situações clínicas específicas.

Para participar do Conitec em Evidência, siga as instruções abaixo:

Caso queira assistir do seu computador

A videoconferência será transmitida ao vivo pela Internet, por meio deste link.
Recomenda-se utilizar o navegador Internet Explorer.
Para realizar perguntas e fazer comentários durante a transmissão, envie e-mail para conitec.evidencia@saude.gov.br ou pelo Twitter.

 
Caso tenha equipamento de videoconferência disponível

Para receber as instruções de acesso, favor enviar mensagem para conitec.evidencia@saude.gov.br, com as seguintes informações:
- Nome da instituição;
- IP do equipamento;
- Nome do técnico de suporte local;
- Contato do técnico de suporte local (e-mail e telefone).
 
Fonte: CONITEC

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Diabetes em idosos requer cuidados redobrados

O risco de sofrer problemas cardiovasculares, como AVC e infarto, aumenta nessa faixa etária em pacientes diabéticos


A população brasileira está vivendo cada vez mais. Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) informa que até 2050, 30% dos brasileiros terá mais de 60 anos (1). Dentre as doenças mais comuns em idosos, destaca-se o diabetes tipo 2, que além de necessitar de cuidados especiais para a terceira idade também pode levar a outras complicações, como as doenças cardiovasculares.

A insuficiência cardíaca é a principal causa de internação e a obstrução das artérias coronárias é responsável por cerca de 70% a 80% das mortes em idosos (2). Por essa razão, o cardiologista e geriatra Dr. Roberto Miranda ressalta a importância da prevenção cardiovascular em pacientes idosos com diabetes tipo 2, já que o risco de infarto em diabéticos é de 2 a 4 vezes maior se comparado com um indivíduo que não tem a doença (3).

“É surpreendente que muitos pacientes ainda não saibam que o diabetes é responsável por aumentar os riscos de doenças no coração. A doença cardiovascular no diabético mata mais que HIV, tuberculose e câncer de mama na população mundial4,5. Esta é uma complicação silenciosa que precisa ser do conhecimento de todos”, explica o cardiologista.

Por essa razão, é fundamental que o paciente procure seu médico para saber mais sobre as melhores opções de tratamento. Confira abaixo outros cuidados importantes que o paciente idoso que tem diabetes precisa ter:



Controle da pressão arterial e dos níveis de colesterol

A pressão arterial e o colesterol precisam ser tão monitorados quanto os níveis de glicose no idoso com diabetes. Há estudos expressivos que defendem que o controle simultâneo da pressão arterial, do colesterol e do açúcar no sangue é fundamental para a redução de morte em razão de complicações cardiovasculares (2,4). A pressão alta pode causar doenças como angina, caracterizada pela dor no peito em função do enfraquecimento dos músculos do coração, isquemias, que acontecem com a interrupção do fluxo sanguíneo em uma artéria, e infarto do miocárdio, causado pela obstrução de uma artéria coronária.



Atenção à comorbidade e prevenção de interação farmacológica

A comorbidade, que é presença de duas ou mais doenças crônicas concomitantes em um indivíduo, é outra questão que merece muita atenção nos idosos diabéticos. Por terem, geralmente, mais doenças que as pessoas mais jovens, os idosos fazem uso de vários medicamentos, o que pode acarretar em uma interação farmacológica e, consequentemente, um tratamento pode interferir no outro, piorando o estado de saúde do paciente. “Por isso, é fundamental que os idosos consultem médicos, como o geriatra, que gerenciem a saúde como um todo, analisando todas as patologias e seus respectivos tratamentos, assim com complicações que podem surgir no meio do caminho”, explica Dr. Miranda.



Risco de hipoglicemia

Pode acontecer de o paciente idoso esquecer-se de tomar o medicamento ou ainda de tomar duas vezes em um único dia. Segundo o médico, tomar por engano o medicamento para diabetes duas vezes é extremamente preocupante. “Em casos em que o paciente toma uma dose maior do que a prescrita, dependendo do medicamento, ele pode sofrer hipoglicemia, que é uma queda acentuada do nível de açúcar no sangue”, explica. Sudorese, palpitação, sonolência e cansaço são os principais sintomas da hipoglicemia, mas nos idosos esses sintomas podem demorar mais para aparecer e ainda podem ser confundidos com alterações neurológicas. Assim sendo, é importante que os cuidadores e familiares estejam atentos à frequência e uso das medicações.



Prevalência de sedentarismo

Quanto mais idade, maior é a prevalência de obesidade e de sedentarismo. É natural que o idoso mude a sua rotina de vida, exercitando-se menos por uma limitação natural do seu físico. Entretanto, para o idoso que tem diabetes, a recomendação é não se acomodar e manter um estilo de vida saudável e ativo. O cardiologista reforça a necessidade de consultar um médico antes do início de atividades físicas. “O idoso precisa receber uma recomendação médica, alimentando-se antes dos exercícios para evitar hipoglicemia, vestindo roupas adequadas com a temperatura do ambiente e se hidratando previamente para evitar desidratação, que também acontece mais facilmente quando há alta dos níveis de glicose”, conclui. 



Referências

1. Organização mundial da saúde. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/186468/6/WHO_FWC_ALC_15.01_por.pdf, acesso em 29.08.2017.

2. Arq. Bras. Cardiol. vol.79 no.6 São Paulo Dec. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2002001500011. Acesso em 28.08.2017.

3. Sociedade Brasileira de Diabetes. Disponível em: www.diabetes.org.br, acesso em 1/6/2017

4. IDF Diabetes Atlas, 2015. 7th Edition. http://www.idf.org/diabetesatlas..

5. OMS – Globocan 2012 :Estimated Cancer Incidence, Mortality and Prevalence in 2012 disponível em: http://globocan.iarc.fr/Pages/fact_sheets_cancer.aspx, acesso em 14/1/2016.


Fonte: conteúdo enviado pela agência de comunicação Weber Shandwick. A matéria dá bastante foco a atendimentos médicos e tratamentos farmacológicos, mas em muitos casos outros profissionais também são indicados para a atenção da pessoa idosa, e há ainda práticas promotoras de saúde coadjuvantes ou substitutivas, conforme o caso, à terapia medicamentosa.



Destaco do "Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde" (disponível para baixar em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/186468/6/WHO_FWC_ALC_15.01_por.pdf), da Organização Mundial de Saúde, o seguinte trecho, que contesta as justificativas dos planos de saúde para aumentos abusivos para faixas etárias acima de 59 anos de idade:

"Outra suposição comumente feita é de que as crescentes necessidades de populações maiores levarão a aumentos insustentáveis nos custos de saúde. Na realidade, esse cenário não está muito claro. 

Embora a idade avançada seja geralmente associada a aumento nas necessidades relacionadas à saúde, a associação com a utilização de cuidados de saúde e das despesas é variável (14–17). De fato, em alguns países de alta renda, as despesas de saúde por pessoa caem significativamente após aproximadamente 75 anos de idade (enquanto as despesas com cuidados de longo prazo aumentam) (18–20). Uma vez que mais e mais pessoas estão chegando a idades mais avançadas, permitir que elas levem uma vida longa e saudável pode, portanto, realmente aliviar as pressões sobre a inflação nos gastos com saúde. 

A associação entre idade e gastos com saúde também é fortemente influenciada pelo próprio sistema de saúde (21). Isso provavelmente reflete diferenças em sistemas de provedores, incentivos, abordagens de intervenções em adultos maiores frágeis e normas culturais, principalmente próximo ao falecimento. 

Na verdade, não importa quantos anos temos, o período de vida associado com os maiores gastos de saúde está relacionado ao último ou dois últimos anos de vida (22). Porém, essa relação também varia significativamente entre os países. Por exemplo, cerca de 10% de todos os gastos com saúde na Austrália e nos Países Baixos, e cerca de 22% nos Estados Unidos, são incorridos no cuidado de pessoas durante o seu último ano de vida (23–25). Além disso, os últimos anos de vida tendem a resultar em gastos mais baixos com saúde nos grupos de idades mais avançadas. 

Embora mais evidências sejam necessárias, prever custos futuros de saúde com base na estrutura etária da população é, portanto, um valor questionável. Isso é reforçado por análises históricas que sugerem que o envelhecimento tem muito menos influência sobre os gastos com saúde do que diversos outros fatores. Por exemplo, entre 1940 e 1990 nos Estados Unidos (um período de envelhecimento significativamente mais rápido da população já ocorrido), o envelhecimento parece ter contribuído apenas cerca de 2% dos gastos com saúde, enquanto as mudanças relacionadas à tecnologia foram responsáveis entre 38% e 65% de crescimento (19)."

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Todo o poder de controle circula entre o povo, que o exerce através de dispositivos disciplinares do corpo e reguladores da população

Car@s Amig@s da blogosfera.



Compartilho aqui com vocês algumas reflexões a partir da leitura do último capítulo do livro “História da sexualidade 1: A vontade de saber” de Michel Foucault, para a disciplina de “Estudos de Biopolítica e Saúde”, da pós-graduação da Faculdade de Medicina da USP, sob coordenação dos Professores Ricardo Rodrigues Teixeira e Rogério da Costa Santos.

Na verdade, este é um convite para a continuação e ampliação do diálogo na rede, através de novos comentários e reflexões que venham se somar a esses que publico agora.

E começo questionando: quando nos interrogamos “qual o sentido da vida”, não estaríamos na verdade tentando identificar as forças que operam sobre a nossa vida e que nos conduzem pelos caminhos que seguimos?



imagem de capa do livro “O Leviatã” de Thomas Hobbes (com a ideia de poder como exercício da soberania, contestada por Foucault), trazida em aula pelo Prof. Ricardo



Direito de morte e poder sobre a vida – reflexões

Em “Direito de morte e poder sobre a vida”, último capítulo do livro “História da sexualidade 1: A vontade de saber”, Foucault analisa os diferentes tipos de poder exercidos na história e sua relação com o desenvolvimento de mecanismos ou tecnologias de governo da vida.

O primeiro tipo identificado por Foucault é o poder sobre a morte, o poder do soberano, como um poder de dispor da vida dos súditos, simbolizado pelo gládio (espada de guerra). O soberano possuía legitimidade para decidir sobre a morte dos súditos. O soberano era titular do “direito de apreensão” (confisco como mecanismo de poder), de se apoderar da vida dos súditos para depois suprimi-la, como referido expressamente por Foucault (fls.129 do pdf). Numa analogia com o conceito atual de capacidade jurídica, os súditos poderiam ser considerados como “menores” em função da ausência de capacidade de decisão sobre a própria vida. Sob essa premissa, o suicídio seria uma forma de emancipação. Mas mesmo podendo decidir a morte dos súditos, o soberano não os conduzia diretamente na forma de levar a vida.

A partir da época clássica, o confisco da vida deixa de ser o principal mecanismo de poder, cedendo espaço à gestão da vida em si como foco do exercício de poder em defesa da sobrevivência de determinada população. A intervenção direta na conduta humana passa a ser o principal mecanismo de poder. No lugar da espada do soberano a guerra em nome do Estado, consubstanciada num poder de morte ampliado, plural, mas em nome da sobrevivência de um povo a partir do extermínio ou dominação de outro. Neste caso, o suicídio seria também uma forma de emancipação, não em relação ao soberano, mas ao controle do Estado e da sociedade. Uma forma de resistência ao poder controlador através da eliminação do objeto de intervenção do poder: a própria vida.

À morte então se opõe a proteção das vidas, e somente invocando esta razão é possível legitimar a decisão de causar a morte de alguém, como um “perigo biológico para os outros” como menciona Foucault (fls. 131 do pdf). Não seria exatamente esse o fundamento para isolar do convívio com a sociedade os condenados pela Justiça Penal, os “loucos”, os adictos, porque representariam um perigo para a vida dos outros? Um perigo para a “normalidade” da vida em sociedade? Ainda os pobres nas regiões periféricas das cidades, como forma de impedir-lhes a ocupação dos espaços centrais e estratégicos na condução do funcionamento da sociedade?

Foucault então identifica o segundo tipo de poder, o poder sobre a vida, na forma de disciplinas do corpo e de regulação da população, ambas voltadas à gestão da vida. Ambas instituem a vida como “produto” do poder. E no sistema capitalista, o “produto-vida” (individual e coletivo) tem um valor diferenciado conforme lhe são atribuídos mais ou menos investimentos sobre o corpo vivo. O controle assim é exercido através da depreciação das vidas desconformes ao modelo capitalista, que justifica a atuação das forças que sustentam os processos econômicos bem como a segregação e hierarquização social (fls. 133 do pdf).

O biopoder é ativado a partir do momento em que a subsistência como possibilidade de vida para além do atendimento das necessidades básicas e defesa contra os riscos biológicos (fome e peste) é possível ser garantida por tecnologias de produção de alimentos e de estudo da vida. O saber sobre a vida é assim localizado como poder sobre a vida, como uma tecnologia política.

Ao afirmar que “o homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em questão” (fls. 135 do pdf), estaria Foucault questionando ou refutando a ideia de livre arbítrio? Qual a real autonomia do homem moderno na condução de sua vida? A consciência dos mecanismos e técnicas de poder em ação na condução da vida podem produzir gradações entre a autonomia limitada e a total escravidão? E se a consciência se desenvolve a partir da experiência prática, estando o homem numa contínua prática controlada, como escapar a esse controle, ou seja, conquistar sua autonomia na condução da vida?

Na sociedade do controle o direito exerce um papel fundamental como poder regulador da vida e de suas possibilidades. As normas jurídicas se constituem como ferramentas do poder político sobre a vida, objeto de normalização, através da reprodução normativa em outras searas. É assim que as pessoas aceitam e consideram natural viver uma vida regrada. Mas como foco do poder político, a vida se sobrepõe e resiste ao direito como norma de proteção do Estado, para transformar o direito em ferramenta de defesa da própria vida, para proteção das necessidades fundamentais do homem e na luta pela plenitude existencial (fls. 137 do pdf). Mas de que vidas estamos falando? Quais as reais possibilidades de resistência ao poder controlador e de luta em defesa de uma vida plena tem as pessoas em situação de vulnerabilidade social, cuja vida se resume à busca pelo atendimento das suas necessidades básicas e defesa contra os riscos biológicos (fome e doenças)?

Como consequência lógica do poder sobre a vida, o sexo se tornou alvo central das intervenções políticas, pela possibilidade de exercício concomitante das duas formas de poder sobre a vida: disciplina do corpo e regulação da população. Na sociedade do sexo, a sexualidade é objeto do poder político visando o controle da vida, do corpo individual e social. Nas palavras de Foucuault “O sexo é acesso, ao mesmo tempo, à vida do corpo e à vida da espécie” (fls. 138 do pdf). Não é à toa que as disputas envolvendo o sexo costumam ser tão acirradas, como ocorre nos debates sobre o direito (a norma é amiga íntima da sexualidade!) ao aborto.

A partir dessa ideia, é possível entender também por que a mulher e o corpo da mulher se constituíram ao longo do tempo aparentemente como objeto de desejo, sendo, em realidade, objeto estratégico de poder: é sobre o corpo da mulher que as disciplinas e as regulamentações operam de maneira simultânea no controle do corpo individual e social. Todas as quatro linhas de ataque de controle político do sexo apontadas por Foucault (sexualização infantil, histerização das mulheres, controle de natalidade e psiquiatrização das perversões) envolvem a vida das mulheres, ainda que indiretamente no papel de mães.

A substituição (com justaposições, interações e ecos de uma em relação à outra) da sociedade da sanguinidade, que tem as relações de sanguinidade como símbolo, pela sociedade do sexo, que tem a vida como objeto e alvo de intervenção política, foi promovida pelo desenvolvimento dessas novas técnicas de poder sobre a vida. A sexualidade é instrumentalizada para controlar a vida, possuindo efeito com valor de sentido (fls. 140 do pdf). Quando nos questionamos “qual o sentido da vida”, não estaríamos na verdade tentando identificar as forças que operam sobre a nossa vida e que nos conduzem pelos caminhos que seguimos? O filme “O sentido da vida” (em inglês “The meaning of life”) do grupo inglês Monty Python aborda essa questão de forma bastante pitoresca:



A preocupação com a perfeição da espécie, traço característico das ideologias eugenistas, é um retrato da passagem da sociedade da sanguinidade para a sociedade do sexo. Mas a ideia de sanguinidade é retomada na formação do racismo em interação com a sexualidade, com intervenções sobre a vida e o corpo individual e social fundamentadas na pureza do sangue, visando o triunfo da raça. Foucault cita as práticas nazistas de Hitler como o maior massacre da história da humanidade, mas a escravidão e tráfico negreiro poderiam se igualar ou até mesmo superar o suplício das vítimas do nazismo. A diferença é que os negros africanos foram escravizados na condição de propriedade dos senhores – submetidos, portanto, ao poder soberano de morte – e após a condenação jurídica da escravatura foram alçados à condição de raça inferior na sociedade do sexo. Sofrem, em fases diferentes da história, os efeitos do poder sobre a morte e a vida.

Como analisar o sexo em si na construção da sexualidade como dispositivo de poder político sobre a vida? O sexo ganhou teoria e características próprias – correspondentes a normas e a saberes – transformou-se em referencial, parâmetro de classificação das condutas humanas. Como diz Foucault, “o sexo pôde, portanto, funcionar como significante único e significado universal” (fls. 146 do pdf). Ponto de referência na constituição de sujeitos. O desejo do sexo funciona assim como o grilhão que nos aprisiona ao dispositivo da sexualidade, que nos constitui como assujeitados ao biopoder. A biopotência, a resistência ou contra-ataque ao dispositivo da sexualidade, deve partir dos corpos e dos prazeres.