Em 27 de março de 2015 fui a um encontro
na Faculdade de Saúde Pública da USP, promovido pela Rede Unida e por
docentes e discentes da FSP, que tinha por objetivo escutar movimentos
sociais e coletivos sobre o que pensavam do SUS e da saúde.
"A
identidade é movimento e não deve ser vista apenas de modo científico e
acadêmico, mas, sobretudo, como uma questão social e política (Proença
& Teno, 2011)."
Neste dia conheci Allan e sua amiga Beatriz, ele sanitarista graduando da FSP e ela graduanda em Terapia Ocupacional pela Unifesp. Passamos a tarde no jardim da Faculdade conversando sobre as dúvidas, angústias e receios que envolvem nossa formação e trabalho em saúde, ele e ela com pouco mais de vinte anos de idade prestes a se formarem, e eu quase chegando aos quarenta anos formada há mais de dez em Direito. Mas essas diferenças não nos eram incomuns.
"... estávamos reunidos para dar nascimento às nossas narrativas que se cruzam e se fortalecem na diferença e pela diferença."
Achei bonita aquela amizade, e a forma como um se afetava com as vivências e sentimentos do outro, como se permitiam transitar entre suas vidas e experiências num movimento de construção contínua daquele relacionamento, sem necessidade de ter certeza a respeito de qualquer assunto (embora argumentassem com propriedade sobre vários).
"As identidades que vão se constituindo nesse processo de dúvida e incerteza é apoiada na especificidade que cada um conduz seus processos identitários oscilando entre o estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural (Dubar, 1997)."
Esse primeiro encontro foi seguido de outros ao longo do ano, em que fui percebendo que essa porosidade afetiva de Allan na conexão com as outras pessoas não se dava apenas no campo da amizade, mas também nas relações estabelecidas no trabalho e na formação em saúde, no contato direto e intenso com os usuários, trabalhadores e gestores do SUS nos estágios, e com os professores na Faculdade de Saúde Pública e em projetos de extensão como o VER-SUS.
"Essa ideia surge da crise do pertencimento [. . .] Não se pode evitar sua ambivalência: ela é uma luta contra a dissolução e a fragmentação, uma intenção de devorar e uma recusa a ser devorado."
Comecei então a acompanhar, através da leitura dos textos que Allan publicava na Rede HumanizaSUS, o trabalho de pesquisa sobre as identidades do sanitarista, conjunção dessas intensas vivências e conexões estabelecidas durante a graduação na Faculdade de Saúde Pública, que parte da aceitação do devir como uma possibilidade de criação de seu futuro profissional, num contexto em que a formação em saúde coletiva envolve um campo multidisciplinar, um cenário complexo e repleto de disputas políticas e sociais.
"...um sanitarista cartógrafo com uma identidade de dupla função: detectar a paisagem, suas mutações, indagando sobre sua potência produtiva, sua força de gerar o novo e a diferença e, ao mesmo tempo, criar vias de paisagem através dele."
Nada disso seria relevante para divulgar o lançamento do livro "Uma ou várias identidadeS para o sanitarista?" sobre a pesquisa de Allan Gomes de Lorena, com orientação do Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP Marco Akerman, não fosse esse um livro que fala justamente sobre pertencimento na formação das identidades do sanitarista em seu percurso pela graduação. Uma imersão na vida de cada sujeito implicado com a formação e com a produção de saúde enquanto um comum de todos. Uma reflexão de alguém que ocupou em sua plenitude os espaços acadêmicos e territoriais da saúde, e que se deixou ocupar pelas experiências trocadas com as pessoas com quem se relaciona, transformando essas ocupações em ato vivo que se lê, e ao mesmo tempo se vive.
"Estas relações constituem a dúvida, o desejo e a angústia de não saber o que ser."
O livro traz uma constelação de angústias e desejos dos sanitaristas graduandos, compondo os relatos de cada estudante com as identidades que vão se construindo a partir das possibilidades vislumbradas. Uma cartografia que aborda a saúde coletiva sem "devorar" a subjetividade das pessoas que integram a sua contínua construção. Uma pesquisa que não se encerra em conclusões estanques, mas se amplia na provocação do leitor para refletir sobre o desafio de, como diz Allan neste e nos demais trechos entre parênteses do presente texto, retirados do livro, que muito me afetaram (autor e obra):
"...dar movimento à vida, fazer deste movimento um convite à reflexão sobre nós mesmos."
Esse é mais do que um convite para o lançamento e leitura do livro, é uma proposta para você se deixar afetar por uma postura ético-política de ocupação dos espaços de formação e trabalho em saúde, enquanto produção de vida em movimento!
Nenhum comentário:
Postar um comentário