Quando entrei na adolescência, já convivia com o diabetes há algum tempo (desde os nove anos de idade). Era final dos anos oitenta e começo dos noventa, e grande parte das meninas adolescentes veneravam vocalistas de bandas de rock, principalmente se as músicas tivessem um clip contando uma história. Eu me encantei com um clip da banda Poison, cujo vocalista é Bret Michaels, que vim a descobrir ser portador de diabetes tipo 1.
A ideia de um vocalista de uma banda de rock com diabetes me encheu de esperança, porque sempre soube que a doença me trazia uma série de limitações e cuidados, mas saber que a despeito disso Bret Michaels tinha montado uma banda de rock e viajava pelo mundo fazendo turnês musicais foi um exemplo de como, além de conviver com a doença crônica, podemos também conviver com os limites que ela nos impõe em certos momentos.
Leio em muitos círculos de debates sobre diabetes que a doença não limita o paciente. Essa é uma ideia que não me convence, porque uma hipoglicemia ou uma hiperglicemia, e até mesmo as complicações do diabetes, podem sim constituir um obstáculo ao desenvolvimento de algumas atividades. Quando estou com hipoglicemia não atendo a nenhuma consulta jurídica, face ao risco de dizer algo incoerente e não compatível com os direitos do cliente, porque a hipo afeta o sistema cognitivo no momento em que a glicemia cai. Há um ano fui diagnosticada com neuropatia periférica, o que me impede de fazer exercícios de alto impacto (não posso correr, por exemplo), mas não me impede de fazer exercícios de baixo impacto (caminhada e musculação sem sobrecarregar as pernas, por exemplo).
Conhecendo as circunstâncias que nos limitam, podemos tentar descobrir formas seguras de superar esses obstáculos. Bret Michaels é um exemplo disso. Também o jovem nadador brasileiro Matheus Santana, que ganhou uma medalha de ouro nos Jogos Sul-Americanos de natação – fazendo o oitavo melhor tempo do mundo em 2014, é um exemplo de bom convívio com as limitações do diabetes tipo 1 e superação respeitando essas limitações.
Entendo sinceramente que muitas mães não queiram que as crianças com diabetes se sintam menos capazes que outras, e por isso passem a ideia para os filhos de ausência de limites em função da doença. Mas o diabetes não é o único limite em nossas vidas, há muitos outros, inclusive em função de nossas convicções ideológicas e ética pessoal. E a vida, em algum momento, nos mostra isso, independentemente de aceitarmos esses limites ou não.
Em função do diagnóstico do diabetes, minha mãe me negava poucas coisas, como uma forma de compensação da doença. Essa espécie de complacência amorosa acarretou certas dificuldades na minha vida adulta, e tive que aprender, quando vim para São Paulo estudar e morar com a minha irmã (a quem eu chamava de "mãe do não" - minha mãe seria a do sim!) que temos limites, e que eles são importantes para a manutenção da nossa vida e da nossa felicidade, e para convivermos melhor com as pessoas que amamos.
Thais Simi, Grasiela R. Pontello Janizelli, eu e Daniele Junqueira Rafael
eu e minhas amigas na adolescência
eu e minhas amigas na adolescência
Afirmar que o diabetes não limita, além de alimentar uma ilusão - porque a prática mostra o contrário, não incentiva a pessoa a descobrir formas de conviver com esses limites e superar os obstáculos criados por eles. Tampouco ajuda a perceber que, muitas vezes, certas limitações são também vantagens (na adolescência, enquanto minhas amigas se queixavam da grande quantidade de espinhas no rosto, eu as tinha em pouquíssimo número em função da alimentação baseada em frutas e verduras para o cuidado do diabetes, por exemplo).
(Re)Conhecer as limitações do diabetes e respeitá-las é uma forma de não se reduzir a elas, e até de superá-las.
Como diz uma música do Poison "every rose has its thorn" (cada rosa tem seu espinho): quase tudo na vida tem uma característica dicotômica, uma limitação pode ser uma vantagem, e vice-versa. Ignorar um limite - e incentivar que ele permaneça no ponto cego - não faz com que ele desapareça, faz com que a pessoa perca a oportunidade de descobrir formas de viver melhor, apesar dos obstáculos, que podem e devem ser superados, respeitando as condições pessoais de cada um para isso.
Observação:
agradeço a amiga Karen Athié, por me dar um toque sobre o Matheus
Santana, e à minha irmã Simone Aligieri, por me dizer não por inúmeras
vezes nessa vida como forma de amor sem limites. E também agradeço minha mãe, Jandira Aligieri, que, embora dizendo sim em algumas ocasiões que deveria dizer não, sempre me fez sentir amada.
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