segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Diabetes, ativismo digital e participação social

 

Como a internet permite que pessoas que vivem com a doença possam se organizar, dialogar com o poder público e conquistar mudanças importantes para o SUS. E por que é preciso que se abra mais espaço para esses grupos.

O novo texto da coluna Saúde é Democracia, fruto da parceria do Cebes com o portal Outra Saúde, mostra como a internet se tornou um espaço crucial para pessoas com diabetes se unirem, dialogarem com as autoridades e impulsionarem mudanças no SUS. Débora Aligieri explora o ativismo digital e a participação social como ferramentas poderosas na luta por uma saúde mais inclusiva. Débora Aligieri tem diabetes tipo 1, é advogada e ciberativista em saúde, administradora do blog Diabetes e Democracia, mestra em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP, e apaixonada pelo SUS. Leia mais sobre a importância desses grupos e a necessidade de ampliar seu espaço.

Novembro azul e ciberativismo em diabetes: participação social no SUS em tempos de transformação digital

No dia 14 de novembro é celebrado o Dia Mundial do Diabetes, campanha de conscientização e prevenção da doença por meio de atividades desenvolvidas durante todo o mês, denominado de Novembro Azul do Diabetes (para se diferenciar da campanha contra o câncer de próstata).

Não pretendo aqui discutir a propriedade do Novembro Azul, tampouco a questionável eficácia das campanhas dos meses coloridos para a prevenção de doenças e agravos em saúde. Mas abordar um fenômeno que ganhou relevância nas últimas décadas com a consolidação da sociabilidade em redes digitais – o ciberativismo em saúde – e suas potencialidades e desafios para a participação social no Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente neste momento de intensos debates sobre saúde digital. E o diabetes (condição com que convivo há 37 anos) tem forte relação com esta forma de atualização da luta pelo direito à saúde no Brasil.

Diabetes no Mundo e no Brasil

A cada dois anos, a Federação Internacional de Diabetes (IDF, em inglês) publica um relatório com dados da doença (o mais recente será publicado hoje). Em sua décima edição de 2021, o IDF Atlas estimava 537 milhões de pessoas convivendo com diabetes no mundo (ou 10.5% da população mundial), sendo o Brasil o sexto país com maior prevalência da doença, contabilizando cerca de 15,7 milhões de pessoas. Era também o 3º em número de crianças e adolescentes com o tipo 1 (92.300) e em maiores gastos (42,9 bilhões de dólares) para o tratamento da condição e de suas complicações, foco da campanha deste ano “Saiba seu risco, construa um futuro saudável”.

As estratégias desenvolvidas para o enfrentamento deste desafio global para os indivíduos e para os sistemas de saúde concentram-se na adoção de protocolos e diretrizes clínicas voltadas ao controle glicêmico e no acesso à assistência profissional e farmacêutica para o autocuidado. Nossas experiências de convívio com a doença e as tecnologias leves, integrantes da construção compartilhada do cuidado, e essenciais ao dialogismo entre saberes técnicos e leigos, são praticamente ignoradas por estes modelos de cuidado e pelas políticas públicas.

No Brasil, o acesso à insulina e outros medicamentos e insumos para o controle glicêmico é garantido pelo SUS. Mas em outros países sem um sistema de saúde universal, a realidade é outra. Em relatório publicado em 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a falta de acesso à insulina por 30 milhões de pessoas no mundo, atribuindo a preços altos, baixa disponibilidade de insulina humana, poucos produtores (três multinacionais) dominando o mercado de insulina, e sistemas de saúde frágeis como as principais barreiras ao acesso universal ao medicamento.

O relatório da OMS também destaca como um desafio o alto custo dos análogos de insulina – com melhorias no tempo de ação e redução de efeitos colaterais – 3 vezes mais caras que as insulinas humanas em alguns países. Os análogos de insulina foram incorporadas ao SUS para o tratamento de diabetes tipo 1 a partir da mobilização de diabéticos e seus familiares nas mídias digitais, por meio de publicações em blogs e em redes sociais, em articulação com associações de pacientes e sociedades profissionais.

Participação social e ciberativismo em diabetes

O ciberativismo em saúde envolve ações colaborativas articuladas por meio de plataformas e mídias digitais por pessoas e grupos em busca de mudanças sociais, usando a internet na conquista de suporte para movimentos e causas pela difusão de informações, discussão coletiva de ideias e proposição de ações, criando canais de participação política. O fenômeno mostra como as estratégias de participação social na construção da política de saúde no Brasil foram se atualizando com o uso das tecnologias digitais e da auto-organização de indivíduos e coletivos, típica do ciberespaço, em defesa do direito à saúde.

No caso do diabetes, especialmente o tipo 1 (mais prevalente no ciberespaço), aprendemos a transformar nossas experiências com o processo saúde-doença em ferramentas de reivindicação de direitos, usando a internet como espaço de luta política. Levantamos a pauta da incorporação dos análogos de insulina ao SUS em nossas publicações sobre nosso cotidiano, muito além do controle glicêmico. Desenvolvemos conhecimentos sobre o processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde participando de consultas públicas e dialogando com o Ministério da Saúde pelas redes sociais. Logramos modificar pareceres desfavoráveis à incorporação dos análogos, originar a criação de uma linha de cuidado até então inexistente no SUS, incluir a hipoglicemia como desfecho relevante na análise de evidências em saúde, e cobrar a efetiva oferta do medicamento na ponta. Nessa trajetória, deixamos de ser objetos da política e passamos a ser sujeitos da transformação desejada, com ampliação das ofertas do SUS.

Potencialidades e desafios para a participação social no SUS na era digital

A internet favorece o protagonismo dos usuários na construção de demandas políticas em saúde, mostrando o ciberativismo em diabetes como a participação social no SUS vem se atualizando em tempos de transformação digital. Conseguimos propagar nossa voz, mas ainda temos dificuldades de nos fazer ouvir e respeitar como portadores de saberes em saúde. Prova disso é a ausência da perspectiva leiga nas discussões da Secretaria da Informação e Saúde Digital, do Ministério da Saúde.

Também precisamos ser incluídos nos debates sobre o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, para que possamos nos apropriar melhor das barreiras impostas pela indústria farmacêutica ao efetivo acesso aos medicamentos. Somente assim, poderemos avançar em outras questões, relacionadas ao modelo de cuidado e aos determinantes sociais da saúde.

A luta pela construção de um sistema de saúde justo e que concretize o ideário do Movimento da Reforma Sanitária segue nas novas arenas de participação popular, por meio da ocupação do ciberespaço com nossa luta pelo direito à vida.

Leia o artigo publicado no portal Outra Saúde e no CEBES

 


 

Referências:


Leia também: Ciberativismo em diabetes: "lutamos por vidas, não por likes" ... nas redes sociais e na academia!

sábado, 20 de maio de 2023

Ainda sobre a aquisição de insulina pelo MS e sobre o oligopólio da produção

As notícias sobre falta de análogos de #insulina de ação rápida para diabéticos tipo 1 no Brasil vem gerando muitas dúvidas. Nessas duas notas, a Sociedade Brasileira de Diabetes aborda os principais pontos que ainda podem trazer dúvidas sobre a aquisição do medicamento pelo Ministério da Saúde da empresa Gan & Lee, que vem suscitando desconfiança de muitos pacientes pelo simples fato de ser uma fabricante chinesa (quando boa parte dos produtos e insumos de saúde e de outras naturezas que usamos são também fabricados na China).

Na primeira nota, a SBD ressalta a necessidade de mais informações sobre os estudos clínicos de efetividade da insulina análoga de ação rápida da Gan & Lee, e na segunda esclarece que a insulina de ação prolongada produzida pela mesma empresa já tem registro e aprovação na ANVISA.

Espero que essas notas possam nos ajudar tanto a derrubar um preconceito sem base em critérios técnicos contra os produtos chineses (lembrando que esta é uma ótima alternativa para enfrentar o oligopólio da produção e comercialização das insulinas - sobre os oligopólios, vale muito a pena leitura do texto do sanitarista Reinaldo Guimarães, indicado após as notas) e também servir como uma forma de mobilizar o Ministério da Saúde a compartilhar com a sociedade de forma mais detalhada os fundamentos técnicos que embasam a compra que vai garantir que não haverá falta de insulina análoga de ação para pessoas com #diabetestipo1 no Brasil!

Links das notas da SBD
Posicionamento da SBD sobre a aquisição, pelo Ministério da Saúde, da insulina asparte da China: https://bit.ly/3oc1BIp
A insulina glargina da Gan & Lee atende aos pré-requisitos da ANVISA: https://bit.ly/3olpcpY

Link do texto de Reinaldo Guimarães no Outras Palavras
Insulina: um desafio a ser enfrentado: https://outraspalavras.net/outrasaude/insulina-um-desafio-a-ser-enfrentado/







sábado, 8 de abril de 2023

Falta de insulinas análogas para DM1 no SUS: "cabo de guerra" entre governo e farmacêuticas coloca nossas vidas em risco

Na última segunda-feira participei de uma matéria do Jornal da Cultura a respeito de um alerta do Tribunal de Contas da União sobre a provável falta de insulinas análogas de ação rápida para diabetes tipo 1 a partir de maio, e ainda sem previsão de data para restabelecimento do fornecimento.

Um cabo de guerra entre governo e indústria farmacêutica, com muitas informações desencontradas a respeito dos reais motivos dessa falta, que podem envolver questões relacionadas ao oligopólio da produção de comercialização da insulina no mundo, falta de soberania na produção e desenvolvimento de tecnologias em saúde, falta de planejamento e redução do orçamento para a saúde dos governos pós golpe de 2016, trapalhadas burocráticas na aquisição do medicamento, fragmentação entre o processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) e a política de assistência farmacêutica para garantir o acesso da população na ponta aos medicamentos e insumos, e até mesmo uma espécie de pressão das empresas estrangeiras para fragilização do Governo Lula.

Na matéria, a companheira Denise Franco fala sobre os riscos a que estão sujeitas crianças e adolescentes, boa parte dos portadores de DM1, sem o acesso às insulinas análogas. Eu ressalto a incorporação das insulinas análogas como uma conquista da comunidade diabética que, por meio da articulação entre o ciberativismo em diabetes, associações de pacientes e sociedades profissionais, conseguiu levantar a necessidade de acesso aos análogos de insulina como uma pauta importante para o cuidado das pessoas com diabetes no Brasil, e comprovar por meio de suas experiências práticas com a tecnologia a relevância da substituição da insulina Regular (cujo inconcebível retorno ao uso em função do aumento das hipoglicemias graves é sugerido pelo Ministério da Saúde) pela insulina análoga de ação rápida.

Esse é um exemplo muito prático (e triste) do que constatei na minha pesquisa de mestrado analisando os posts de 60 páginas de diabéticos e seus familiares sobre a fragmentação do sistema de saúde. Transcrevo aqui as palavras do que afirmei na minha dissertação: "a campanha para disponibilização dos análogos tem um relevo muito maior no corpus da pesquisa do que as mobilizações pela incorporação, revelando problemas na etapa pós-incorporação de medicamentos e mostrando a ATS como um processo que, apesar de sua sofisticação técnica, não garante o acesso à tecnologia incorporada" (https://bit.ly/3Kp370R - fls. 182/183).

Precisamos encontrar soluções para que esta fragmentação deixe de representar portadores de doenças crônicas sem os medicamentos necessários à sua sobrevivência, diabéticos sem a insulina necessária à sua sobrevivência. Precisamos de uma resposta imediata do Ministério da Saúde e das empresas que comercializam insulinas análogas, e esta reposta não pode ser o retorno ao uso de uma tecnologia que já se mostrou ineficaz ao controle do diabetes (como sugere o MS), nem a incapacidade de atendimento à demanda (escusa das farmacêuticas Novo Nordisk, Sanofi e Lilly).

As 3 empresas se esforçaram muito ao longo das últimas décadas para dominar 95% do mercado mundial de insulinas, agora tem um compromisso com os diabéticos de todo o mundo de promover o acesso ao medicamento cuja primeira patente a Lilly recebeu há 100 anos por apenas um dólar, porque Banting (um dos descobridores do efeito da insulina no controle do diabetes) acreditava ser um impositivo moral garantir o acesso de uma tecnologia que salva vidas a todas as pessoas do mundo com diabetes. Quem tem o bônus, deve arcar também com o ônus.

Queremos nossas insulinas análogas, é nosso direito! #analogosjá



domingo, 12 de março de 2023

UAEM Brasil: chamada para novos estudantes e apoiadores - 13/03, on-line, 19h

No próximo dia 13 de março de 2023 acontece o encontro on-line da Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais Brasil - UAEM BR. A UAEM é um movimento global de jovens universitários, de graduação e pós, de diversos campos do conhecimento, em defesa do acesso universal às tecnologias em saúde essenciais, do conhecimento livre e de um sistema de inovação em saúde voltado ao atendimento das necessidades em saúde, sobretudo aquelas mais negligenciadas. A organização atua, principalmente, desde as universidades e comunidades para propor mudanças em políticas, práticas e currículos acadêmicos a fim de auxiliar na garantia do direito à vida, à saúde e também do direito de todo ser humano “de participar do progresso científico e de seus benefícios”. Uma luta que interessa a todos pacientes e usuários do SUS, tendo em vista a possibilidade de influenciar políticas para a promoção da universalidade, integralidade e equidade no acesso a medicamentos, tão caras aos portadores de diabetes e outras doenças crônicas.

Se você é estudante, professor ou pesquisador, ou ainda ativista ou membro de alguma organização que luta em defesa da saúde, e deseja se engajar nessa luta pelo acesso a medicamentos, participe do encontro on-line no dia 13/03/23, às 19h, para conhecer mais sobre a UAEM. Para participar da reunião, basta se inscrever por meio do seguinte link:

 



Em 2020 estive em um encontro presencial da UAEM Brasil em Belo Horizonte cujo tema era Soberania Nacional e Mobilização Popular: perspectivas para o acesso universal a medicamentos. 
 
Junto com outros companheiros, debatemos os desafios, lições e esperanças para movimentos sociais e mobilizações populares. Levei reflexões a partir da minha experiência como ativista em diabetes e militante do SUS, apresentando alguns dados da minha pesquisa de mestrado sobre o ciberativismo em diabetes (na época ainda em andamento) e de um levantamento que fiz em 2019 sobre os temas debatidos nas reuniões do Conselho Gestor da minha UBS (Santa Cecília, Centro de São Paulo). 
 
Outros temas debatidos neste encontro de 2020 foram o acesso a medicamentos, patentes e o desmonte do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e Laboratórios Públicos e sua importância para o acesso a medicamentos e para a soberania nacional.

 



Também em 2020 tivemos a linda presença da Luciana Melo Nunes Lopes, farmacêutica, doutoranda em Saúde Pública e atual diretora executiva da Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais (UAEM) na América Latina, no webinar da Faculdade de Saúde Pública da USP “Participação social no combate à COVID-19: desafios e aprendizados da luta política pelo direito à saúde no contexto da pandemia”, em que ela mostrou como a UAEM BR já vinha pautando a discussão sobre o acesso a vacina ou tratamento para a COVID-19.
 
Você pode conferir a fala da Luciana a partir dos 30 minutos e 45 segundos do vídeo do webinar:



Participe da reunião da UAEM Brasil, e lute pela acesso a medicamentos no Brasil!




quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Inscrições abertas! Perspectiva do Paciente - Chamada Pública sobre edema macular diabético

Se você tem edema macular diabético e fez uso de dexametasona, inscreva-se para compartilhar sua experiência com esta medicação com a Conitec, e contribua com a atualização da política pública de saúde para tratamento das complicações do diabetes.

Assista ao vídeo e saiba como se inscrever.



 
Prezados(as),
 
 
Chamadas públicas do processo para Perspectiva do Paciente estão com inscrições abertas. É a oportunidade para que usuários do SUS participem durante a Reunião da Conitec e compartilhem suas experiências no enfrentamento das mais diversas condições de saúde.

A participação de voluntários é importante para o processo de avaliação de tecnologias no SUS, pois agrega recursos relacionados à vida real na avaliação feita pela Conitec.

Esse espaço é voltado para pacientes, familiares, cuidadores e tutores que tenham experiência com o tema.
Integrantes de associações de pacientes também podem se inscrever, mas as inscrições serão aceitas somente por indivíduos, ou seja, por CPF.

O regulamento completo para participação está disponível no portal da Conitec.

Abaixo, o tema com chamada pública aberta:

CHAMADA PÚBLICA N° 09/2023: Implante biodegradável de dexametasona para tratamento do edema macular diabético como opção terapêutica aos anti-VEGFs (ranibizumabe aflibercepte).

****Para a participação é necessário fazer login no site gov.br. Portanto, ao abrir o formulário de inscrição (disponível no link abaixo), o interessado deve clicar no botão "acesso", localizado no canto superior direito da tela, e fazer o login.

A chamada pública n° 09/2023 está disponível na sessão "opine aqui".


Para maiores orientações para inscrição, acesse o vídeo explicativo.

Atenção, pois esta chamada prioriza as inscrições de pacientes que tenham feito uso do medicamento em avaliação.


O prazo para envio das inscrições é 26 de fevereiro de 2023, às 23h59min (horário de Brasília).

Serão escolhidos um representante titular e um suplente para cada tema. A escolha dos representantes será feita coletivamente entre todos os inscritos, caso o número de inscrições seja menor que 30. Na hipótese de não serem indicados o titular e o suplente até a data estipulada pela Secretaria-Executiva da Conitec, ou nos casos com 30 inscrições ou mais, será realizado sorteio para preenchimento das vagas, em reunião online a ser agendada com todos.

Todas as informações referentes às próximas etapas serão comunicadas aos inscritos por e-mail.

Atenciosamente,
 
Equipe de Participação Social da Secretaria-Executiva da Conitec