No dia 16 de setembro participei de uma live da Revista Momento Diabetes, com a Letícia Martins, para contar em primeira mão os resultados da minha pesquisa de mestrado sobre o ciberativismo em diabetes. Nessa live, conversamos sobre os achados a respeito de como estamos construindo nossas pautas e demandas políticas pela internet, em nossas páginas do Facebook e outras redes sociais, destacando os pontos já esperados (muitos posts sobre desabastecimento de insumos e medicamentos, por exemplo) e os surpreendentes (entre eles, a grande mobilização de pautas políticas durante o novembro azul do diabetes).
Convido todos a assistir nosso bate-papo, e deixar nos comentários sua opinião sobre como podemos melhorar nossa atuação política nas redes em defesa do SUS e dos nossos direitos, e da promoção da autonomia dos pacientes e usuários no seu autocuidado.
Nascida em São José dos Campos, terra da
indústria aeronáutica brasileira, mudei-me em 1997 para São Paulo
para cursar a Faculdade de Direito na Universidade Presbiteriana
Mackenzie, onde me graduei em 2003.
Em 2008, comecei a atuar como advogada na
área de saúde ao mover minha primeira ação judicial pessoal
contra o SUS, seguida por demandas de outras pessoas com diabetes.
Assim, por uma necessidade pessoal, tornei-me parte da judicialização
da saúde. Acreditava e acredito nas ações judiciais como forma de
controle social e de aperfeiçoamento do SUS. No entanto, algum tempo
depois, percebi as limitações da estratégia, que favorece
individualmente as partes integrantes dos processos judiciais. Para
lutar pela conquista de direitos coletivos das pessoas com diabetes,
era necessária uma mobilização social capaz de interferir de fato
nas decisões do poder público.
Em 2013, transformei meu blog
(deboraligieri.blogspot.com.br) num espaço de debate sobre a vida
das pessoas com diabetes. No mesmo ano, na rede social Facebook,
conheci outras blogueiras e percebi que não travava uma luta
solitária (na vida ou na atividade política), que outras pessoas
enfrentavam os mesmos desafios que encontrei ao longo da convivência
com o diabetes e que também lutavam pela ampliação de direitos. Em
2014, criei outro blog,
o Diabetes e Democracia (diabetesedemocracia.blogspot.com.br),
voltado ao debate de políticas públicas e a mecanismos de
participação social.
Ainda em 2013, comecei a frequentar a Rede
HumanizaSUS (RHS) (redehumanizasus.net), rede social para debater
políticas públicas de saúde ligada à Política Nacional de
Humanização do Ministério da Saúde. O contato com ideias de
protagonismo e autonomia dos sujeitos e de valorização dos saberes
práticos na construção do SUS, tão presentes nos debates da RHS,
trouxe uma nova perspectiva do ciberativismo em saúde. Comecei a
pensar nas páginas de internet
dos diabéticos para além da troca de informações sobre a doença
e seus respectivos cuidados. Essas páginas são espaços de
participação social direta no SUS e de constituição de atores do
controle social que têm a própria vida como instrumento de
construção de políticas públicas. Estamos contribuindo para a
defesa do SUS universal, integral e equânime? Conseguimos de fato
criar um contexto sociopolítico favorável à conquista de direitos?
Somos uma força de amplificação da voz dos usuários, de
valorização dos saberes práticos como legítimos conhecimentos a
partir da experiência com o processo saúde/doença? Essas e outras
questões afetas à luta política por direitos precisavam ser
investigadas, por seu potencial de dar visibilidade a novos tipos de
participação social e ainda revelar constrangimentos sociopolíticos
ocultos em sutilezas que, muitas vezes, tornam os usuários
invisíveis no campo formal do conhecimento e na história da
construção das políticas de saúde.
Com o apoio do amigo e professor da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo
Rodrigues Teixeira, passei a ocupar os espaços acadêmicos da Saúde
Coletiva com minhas experiências de usuária do SUS. Prontamente
acolhida pela professora Marília Cristina Prado Louvison, que desde
nosso primeiro encontro me convidou a assistir às suas aulas na
Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, tornei-me aluna especial em
disciplinas da pós-graduação em saúde pública, que me conduziram ao desenvolvimento da pesquisa de mestrado "Ciberativismo em diabetes: "lutamos por vidas, não por likes"", pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, da FSP-USP.
Este estudo foi um desafio (não é fácil
conciliar o trabalho de pesquisa com os cuidados atinentes ao
controle do diabetes tipo 1), mas também uma oportunidade de
produzir novas visibilidades para atores sociais que emergiram com
grande força no cenário da participação social no SUS. Com esta
pesquisa, espero dar visibilidade aos saberes dos portadores de
diabetes como legítimos conhecimentos em saúde que são,
aproximando-os da academia, contribuindo para amplificar as vozes
existentes e nem sempre ouvidas. Espero ainda que essa análise de
nossas narrativas sirva de ferramenta de aperfeiçoamento das ações
que promovemos no exercício do controle social, a partir de um
melhor entendimento dos mecanismos e das forças operantes em nossa
vida. E que nos ajude a compreender como nos constituímos como
atores da saúde e como sujeitos de direitos e também na busca de
novas possibilidades de vida e novas rotas de transformação da
sociedade, para a defesa da saúde como direito humano.
A pesquisa se estrutura em quatro partes: (i)
introdução, (ii) objetivos, (iii) material e métodos e (iv)
resultados e discussão. Nos capítulos introdutórios, apresenta-se
o estado da arte dos temas abordados no estudo acerca da relação
entre democracia e participação social na saúde, da comunicação
como ferramenta de ativismo político e da luta dos portadores de
diabetes pelo reconhecimento e pela garantia do direito à saúde.
Nos objetivos, arrolam-se os produtos esperados e buscados na
pesquisa para dar visibilidade ao fenômeno do ciberativismo em
diabetes como forma de participação social dos usuários do SUS na
política pública de saúde. No capítulo sobre material e métodos,
explicam-se os procedimentos adotados na construção do corpus
de análise, constituído por textos de 60 páginas do Facebook
administradas por diabéticos e seus familiares e amigos. Na última
parte, apresentam-se dados quantitativos e qualitativos encontrados
nessas páginas e se discutem os temas levantados nas postagens dos
usuários relativos à sobrevivência e à produção do cuidado em
saúde, à subjetividade e à produção de existências, e à
política e à produção de demandas.
Praticamente todos os capítulos,
especialmente na parte de resultados e discussão, são entremeados
por minhas experiências de paciente e ciberativista em diabetes, fio
condutor de minha trajetória acadêmica. Nesta pesquisa, minhas
vivências com a doença servem de elo literário para abordar os
temas tratados nas postagens, como realidade vivida e compartilhada
com outros diabéticos. Esses dados de vida real enriquecem as
discussões e explicitam minha dupla condição, de pesquisadora e
sujeito de pesquisa. Mais do que investigadora implicada,
apresento-me nesta dissertação em corpo vivo, em carne e sangue
doce.
A defesa do mestrado ocorreu no dia 16 de agosto de 2021, com banca composta pela Marília Louvison (minha orientadora), Ricardo Rodrigues Teixeira (FMUSP), Antonio de Pádua Pithon Cyrino (UNESP) e Marco Akerman (FSP-USP). Todos eles contribuíram com seu apoio de forma decisiva nesta construção, que também contou com a colaboração de muitos amigos de militância em defesa dos diabéticos e do SUS, e especialmente da minha família. A todos vocês, agradeço por estarem ao meu lado nessa trajetória de luta, na pesquisa e na vida! Essa pesquisa é de todos nós!
Infelizmente não consegui incluir todos os amigos e companheir@s de luta nesse evento, por incapacidade da sala virtual. Por isso, compartilho o vídeo da defesa, com apresentação dos principais resultados da pesquisa, que está disponível no youtube, e pode ser acessado através do seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=Ftb_RSQDeTQ&t=3s
Encontram-se ainda disponíveis para acesso e uso como dados secundários o repositório dos 43.611 posts de usuários diabéticos (portadores, familiares e amigos) e o mapa do ciberativismo em diabetes, com a rede semântica produzida pelos softwares IRAMUTEQ e GEPHI:
Mapa do ciberativismo em diabetes (pra quem quiser brincar, é só buscar uma palavra e verificar a que outras palavras ela se associa): https://eduardo2s.github.io/diabetes/final/#
Seguimos nossa luta - por direitos, não por likes!
Imagens da defesa, gentilmente registradas pelas queridas companheiras da RHS Luciane Régio Martins e Patrícia Silva
Observação: parte deste post é uma adaptação do texto introdutório da dissertação - Ciberativismo em diabetes: "lutamos por vidas, não por likes".
Resumo: Introdução - No Brasil, a saúde é direito de todo cidadão e dever do
Estado, cabendo- lhe atender às necessidades da população. Como
construções sociais, as políticas de saúde são formuladas e reformuladas
a partir de debates entre diversos atores sociais, que expressam seus
interesses e demandas em espaços de discussão política. O ciberespaço se
mostra uma nova arena participativa, sem as amarras das estruturas
institucionais. O estudo se concentra no ciberativismo em diabetes.
Objetivos - Analisar o ciberativismo em diabetes como uma forma de
participação social dos usuários. Métodos - O estudo combina métodos
quantitativos e qualitativos, a saber: (1) mapeamento e análise do
perfil das páginas de diabetes no Facebook, (2) identificação das
páginas administradas por usuários (diabéticos e seus familiares ou
amigos), (3) extração do conteúdo das páginas de diabetes dos usuários
entre 2014 e 2018, (4) análise de redes semânticas, (5) análise lexical e
(6) análise temática. Resultados e discussão - Foram encontradas 146
páginas de diabetes, das quais 40,41% são administradas por usuários,
cujas postagens constituem o corpus de análise, com 43.611 textos. Entre
os 51.483 termos encontrados que formam o Mapa do Ciberativismo em
Diabetes, os 15 mais frequentes são: diabetes, dia, vida, insulina,
saber, bom, pessoa, diabético, ficar, bem, ano, hoje, tipo, tudo e
saúde. Os termos mais relevantes (maior frequência e grau de conexão),
cujos sentidos se compilam no Vocabulário do Ciberativismo em Diabetes,
foram separados em três categorias e dimensões de análise:
"sobrevivência e produção do cuidado", "subjetividade e produção de
existências" e "política e produção de demandas". A análise das
narrativas demonstra a correlação entre o modelo e as práticas de
cuidado oferecidas aos diabéticos e a constituição de bioidentidades e
biossociabilidades como forma de acesso a direitos, que se traduzem em
demandas focadas nos conhecimentos biomédicos e dirigidas ao Estado.
Conclusão - A internet favorece o protagonismo dos usuários na
construção de demandas políticas em saúde, mostrando o ciberativismo em
diabetes como forma de participação social qualificada por estruturas
autonomamente organizadas na sociedade civil. Para traçar um panorama
mais completo, é preciso investigar o fenômeno em todos os espaços
virtuais.